O ‘incentivo’ que vem das debêntures

06/08/18 | São Paulo

Canal Energia 

Criadas a partir da lei 12.431/11, as debêntures incentivadas de infraestrutura, foram concebidas para tornar mais fácil para as empresas a captação de financiamento junto ao mercado de capitais. Diferentes de um papel comum, elas permitem a isenção do imposto de renda a pessoas físicas e estrangeiros que as comprarem. Empreendedores dos setores de logística e transporte, mobilidade urbana, energia e saneamento podem fazer uso do mecanismo. Os papéis também podem ser vendidos no mercado secundário, a parte do mercado financeiro dedicada à compra e venda de valores lançados antes em uma primeira oferta. A debênture também vem na esteira das mudanças das políticas de taxas de juros aplicadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

Se em 2012 as emissões somaram R$ 4,03 bilhões, nos últimos dois anos, a performance das debêntures incentivadas surpreendeu e a procura pelos papeis se intensificou. Dados da Anbima mostram que somente em 2017, foram R$ 9,08 bilhões em emissões e, até maio de 2018, o valor já está em R$ 8,18 bilhões. Dos R$ 34,6 bilhões já emitidos desde 2012, o setor elétrico se destaca, com R$ 16,19 bilhões. Esse valor significa uma participação de 57,2%. O segundo colocado, o setor de Transporte e Logística, reuniu R$ 11 bilhões em emissões e uma participação de 26,4%, que é menos da metade do líder. De acordo com Camila Ramos, sócia diretora da Clean Energy Latin America, a proximidade dos custos base dos bancos de financiamento com os das debêntures aliada a condições mais flexíveis em cronogramas e garantias fazem com que ela ganhe espaço. “Tudo isso são atrativos da debênture, essa é a tendência”, avisa.

O bom desempenho das debêntures em geração, transmissão e distribuição está relacionado ao fato do setor elétrico ter em geral uma boa qualidade de crédito e baixa ocorrência de eventos externos. Para Eduardo Massoni de Andrade, diretor de relações com investidores da EDP no Brasil, isso dá conforto para o investidor, que junto com a qualidade das empresas e a previsibilidade dos ativos, traz bastante segurança. “Dessa forma que enxergo como o setor elétrico é atrativo”, observa. Outro fator que dá força para o mecanismo no setor elétrico é o aspecto de longo prazo característico dos projetos de Geração, Transmissão e Distribuição, na opinião de João Romeu Amaral, do JR Amaral Advogados. “[A debênture] é dos instrumentos que mais se adequam ao setor elétrico”, avalia. A empresa de origem portuguesa que atua na geração e na distribuição já realizou até hoje emissão de debêntures de infraestrutura no valor de R$749 milhões.

Fonte: Anbima

O setor eólico foi um dos que mais vem se beneficiando das debêntures incentivadas de infraestrutura. Levantamento da Cela indica que em 2017 cerca de 30% do que foi emitido era dessa área. Players eólicos como Casa dos Ventos, Ômega Geração, Contour Global e Renova Energia fora os que mais emitiram. A Casa dos Ventos, um dos maiores desenvolvedores eólicos do Brasil e que já implantou cerca de 1 GW eólico, fez entre agosto de 2015 e novembro de 2017 emissões que somaram R$ 540 milhões para quatro dos seus cinco projetos implantados, de modo a complementar o financiamento de longo prazo. A única emissão de eólicas com risco exclusivo de projeto classificada como ‘AAA’ pela agência de risco Fitch Ratings pertence à empresa, na Ventos de Santo Estêvão Holding S.A.

Debênture é um dos mecanismos que mais se ajustam ao setor, José Romeu Amaral, do Amaral Lewandowski Advogados

Com um setor elétrico em que os projetos hídricos rarearam e alguns térmicos chegando inclusive a ser cancelados, a fonte eólica é o que vem mantendo ritmo robusto. Para Giovanni Fernandes, head do setor de energia em Project Finance do banco Santander, todo o processo de convencimento aos investidores sobre o risco de geração eólica forma muito bem feitos. “Hoje os investidores quando possuem a possibilidade de emitir debêntures dos seus projetos, tem um certo conforto que os investidores, as agências e bancos conhecem o risco”, explica. Das emissões de eólicas, 2017 foi um ano em que elas tiveram um alto número, foram 12 no total. A crise econômica de 2016 fez com que o número ficasse apenas em três, no contraponto ao que foi registrado em 2015, de cinco emissões.

Segundo Lucas Araripe, diretor de novos negócios da Casa dos Ventos, os papéis incentivados são um ótimo mecanismo para complementar a dívida de longo prazo dos projetos, ajudando na estruturação de capital deles. Ainda segundo ele, a customização dos fluxos de repagamentos das debêntures, aliada a prazos mais longos autorizados pelos investidores, permitem uma maior alavancagem do projeto, tendo com resultado uma menor tarifa de energia. “O mercado de capitais tem demonstrado maturidade para ao aceita prazos da dívida cada vez mais longo e apetite para maiores volumes de emissão”, revela.

Eduardo Andrade, da EDP: mais segurança para investidores estrangeiros

As empresas de renováveis estão vendo as debêntures como uma alternativa aos financiamentos e mais flexível para os projetos. Outro aspecto que Camila Ramos, da Cela, frisa é que os papéis incentivados também permitem financiar equipamentos importados. “BNDES e BNB tem a questão do conteúdo local, as debêntures não”, explica.

A primeira emissão de debêntures de eólicas foi feita em 2014. De acordo com Élbia Silva Gannoum, presidente executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica, a debênture incentivada é um bom produto que o setor tem em mãos e a ideia é aumentar o seu uso. Segundo ela, o mecanismo não é a dívida principal do projeto, que sempre virá de um banco de grande porte e no caso do Brasil, dos bancos de desenvolvimento. “Ele é coadjuvante do processo da dívida”, avisa.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social já vem detectando a relevância das debêntures incentivadas. Em evento realizado pela XP Investimentos na última terça-feira, 31 de julho, a diretora de Investimentos do banco, Eliane Lustosa, revelou que o banco quer promover a liquidez no mercado de debêntures. De acordo com ela, o BNDES vai contratar um gestor para vender R$ 1,5 bilhão em debêntures nos próximos meses. A intenção é que se atue no desenvolvimento da liquidez do mercado. Segundo a executiva, quando uma modalidade já está sendo financiada pelo mercado, os recursos podem ser direcionados para outros setores que possuem mais externalidades.

O BNDES atua no mercado de debêntures com iniciativas para incentivar o aumento na originação de títulos, na base dos investidores e na liquidez do mercado secundário. Dentre elas estão condições para Leilões de Infraestrutura, o bid escalonado, desinvestimento via FIDC, FIDC de EnergiaSustentável, a criação de Linha de Debênture Subordinada e Criação da Linha de Suporte à Liquidez.

Embora o mecanismo de financiamento venha se apresentando bem perante o setor elétrico, isso não significa que os agentes não pensem em aprimorar as debêntures. Eduardo Andrade, da EDP, gostaria que houvesse por parte do BNDES algum tipo de instrumento que fornecesse garantias para os investidores estrangeiros, de modo a atrai-los mais para as emissões. O percentual de investidores estrangeiros nas operações, que segundo dados da Anbima representam 11% dos subscritores, ainda é considerado baixo. “O principal aspecto de aperfeiçoamento é trazer mais segurança para o investidor estrangeiro”, declarou.

Dados do BNDES de março/2018

O ‘aumento dos bolsos’ dos subscritores dos papéis é o desejo de Lucas Araripe, da Casa dos Ventos. Para o diretor da empresa, cada vez mais o mercado vai precisar dos recursos dos investidores institucionais, como Fundos de Pensão e Fundos de Investimentos para atender a demanda de financiamento de projetos de infraestrutura no país. Embora reconheça a importância do investidor pessoa física, ele classifica o acesso a eles como mais difícil, já que ele é bastante pulverizado, tornado a distribuição dos papéis mais onerosa para o emissor. “Isso pode se tornar um desafio ao longo da vida do projeto caso seja necessário qualquer ajuste nos termos das debêntures”, adverte Araripe.

A criação de um incentivo de equilíbrio entre as operações de mercado de capitais com as fontes de financiamento público também pode melhorar a vida as debêntures de infraestrutura. Quanto mais você aumenta a participação destas operações dentro desses projetos, mais você desenvolve os mercados primário e secundário”, sugere Giovani Fernandes, do Santander. Ele também vai na linha do ‘aumento do bolso’, para que os fundos de pensão participem mais das operações. “Isso poderia aumentar bastante o volume de investidores podendo subscrever as debêntures e os projetos ficariam mais confortáveis no risco”, observa.

Como desafio, o desenvolvimento do mercado secundário é algo que também aparece. O advogado João Romeu Amaral pede a necessidade de se desenvolver esse mercado no Brasil, para que os valores possam ser negociados entre os investidores de modo que alguém que queira ter liquidez em papel possa fazer isso por meio do mercado de capitais. “Isso precisa ser mais estimulado, de forma que as pessoas físicas que adquiram suas debêntures tenham facilidade de vender isso a qualquer momento nesse mercado e não ficar esperando o vencimento, uma vez que é um título de longo prazo”, comenta.

Uma piora no cenário econômico traria consequências para as debêntures incentivadas. O ano de 2016, em que a crise foi mais aguda devido ao conturbado momento que o país vivia, é o retrato fiel disso. Com poucas emissões, operações chegaram a ser canceladas por não terem perspectiva de compra dos títulos. Uma alta nos juros também tira o apetite do mercado. O dólar mais alto é outro fator que pode complicar os papéis incentivados, já que esse cenário pode deixar outros investimentos de pessoa física mais interessante.

Se a fonte eólica já é realidade, a próxima onda nos papéis incentivados deve atingir a fonte solar. Como ainda é uma fonte nova, com poucos projetos, ela ainda não teve emissões, mas a tendência é que isso ocorra logo. Com a necessidade um equilíbrio entre as fontes públicas e de o mercado, a expansão deverá ocorrer. A localização de projetos solares fora do Nordeste, o que tira os empreendimentos do guarda-chuva do BNB também pode ser um acelerador. “O setor ainda não teve um volume tão grande porque ele ainda não cresceu tanto quanto o eólico, leva tempo para os investidores entenderem o risco”, explica Fernandes, do Santander.

Para o presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Rodrigo Sauaia, a fonte solar ainda está em processo de aceleração e tem o BNB como parceiro maior nos projetos de grande porte. Segundo Sauaia, a debênture já está no radar dos agentes. Elas têm se mostrado uma alternativa que vem sendo estudada pelo setor e posta em prática”, aponta. O presidente executivo da ABSOLAR quer que seja esclarecido se os projetos de Geração Distribuída podem ser enquadrados como projetos de infraestrutura. “O processo não está bem definido e seria importante para trazer clareza aos interessados se houvesse um posicionamento por parte do MME esclarecendo a mecânica de qualificação de uso desses projetos como infraestrutura”, defende Sauaia.

Com rápido desenvolvimento na Europa, os Green Bonds podem ser uma evolução das debêntures incentivadas de infraestrutura na área e renováveis. Esse tipo de papel é um tipo de carimbo que o projeto consegue após atender uma série de requisitos ambientais. No Brasil, a Iniciativa Brasileira das Finanças Verdes, grupo coordenado pelo Cebds no Brasil, atua para incentivar que essa debênture seja classificada como verde. No mundo, foram US$ 160 bilhões emitidos só em 2017 e desse total, US$ 51 bilhões são de projetos de energia renovável. “É um atrativo a mais para investidores institucionais, por exemplo”, lembra Camila Ramos, da Cela. No Brasil, das últimas dez emissões, cinco tiveram esse enquadramento.

Green Bond é atrativo para investidores internacionais, Camila Ramos, da Cela Clean Energy

Pela sua natureza, a obtenção do aval para a emissão do Green Bond dos projetos de energiarenovável deve ser mais simples que em outras áreas. Giovani Fernandes, do Santander, considera as Green Bonds saudáveis, já que em alguns países ele confere uma precificação mais competitiva para esses projetos. Entretanto, ele ainda não vê o mercado evoluído para a massificação do papel verde, devido ao mercado não ter o tamanho ideal para esse tipo de operação.

Mesmo com as limitações de mercado primário e secundário impostas, a debênture parece estar consolidada na área de infraestrutura. A participação do próprio BNDES na compra de papéis reforça isso, na opinião de José Romeu Amaral. Segundo ele, o banco faz isso para ele possa vender no mercado secundário, mesmo ele não sendo tão expressivo. Para o advogado, mesmo que eventualmente o banco reduza suas taxas, o papel incentivado continuará tendo bom uso. “Mesmo que o BNDES volte a financiar com taxas menores, o instrumento a ser usado pode ser a debênture”, conclui.