Energia solar vinda do espaço: entenda por que esse pode ser o futuro

19/02/22 | São Paulo

Reportagem publicada pelo UOL Tilt

energia solar é uma das esperanças na busca por uma fonte de energia elétrica renovável. Entretanto, existe um desafio: ela depende de dias ensolarados para funcionar.

Mas e se pudéssemos criar estações de energia no espaço, pertinho do Sol, para enviá-la à Terra? Essa ideia, que já circula há tempos entre cientistas, pode estar mais próxima da realidade.

Como funciona hoje

A geração de energia solar, em sua forma mais comum, funciona assim: placas produzidas em material semicondutor são colocadas em exposição ao Sol. Quando as partículas de luz solar incidem sobre as placas, os elétrons do material semicondutor entram em movimento, o que gera eletricidade.

Parece simples, e de fato é, mas essa energia depende da incidência de luz solar, o que nem sempre é garantido. A geração de eletricidade com esse método esbarra em problemas como a instabilidade do clima, falta de cobertura de placas e, acima de tudo, a escuridão da noite.

Por isso, levar placas como essas para perto do Sol, onde há essa luz de forma ininterrupta e até de forma mais intensa, ajudaria a resolver o problema.

Painéis solares são bons, mas são ‘limitados’, pois dependem do sol

Fazer esse tipo de instalação no espaço exige tecnologia e investimento. Mas agora que empresas como a SpaceX, de Elon Musk, a Blue Origin, de Jeff Bezos, e a Virgin Galactic, de Richard Branson, estão tentando tornar viagens espaciais mais baratas e acessíveis, volta-se a especular como seria a logística para montar uma fazenda espacial de energia solar e, quem sabe, solucionar a demanda de energia elétrica da Terra.

Ideia antiga

Um dos primeiros a pensar em como a humanidade poderia se beneficiar de energia solar trazida do espaço foi o cientista russo Konstantin Tsiolkovsky, ainda na década de 1920 — muito antes, portanto, do lançamento de foguetes e satélites.

Mas quem tornou a ideia ainda mais popular foi o célebre escritor de ficção científica Isaac Asimov (1920-1992). Em seu conto “Reason”, publicado originalmente em 1941, ele descreve um sistema no qual há uma estação de energia em órbita que fornece eletricidade aos planetas por meio de micro-ondas.

Asimov, que sempre contou com leitores cientistas, inspirou uma série de estudos sobre o tema. Em 1968, por exemplo, o engenheiro aeroespacial norte-americano Peter Glaser publicou na revista Science um artigo técnico detalhado sobre o tema.

A ideia era que, como a radiação do Sol era praticamente infinita, isso lhe dava vantagem sobre os combustíveis fósseis finitos dos quais o mundo dependia — e ainda depende. Assim, faria sentido criar estações de energia no espaço, captando essa radiação de forma direta.

Em 1973, o cientista dos EUA Peter Glaser obteve uma patente no país pelo seu método para a transmissão de energia por longas distâncias, utilizando um satélite com uma antena de até um quilômetro quadrado, para que chegasse à Terra. Na época, ele chegou a manter conversas com a Nasa, a agência espacial dos EUA, para aprofundar os estudos.

Assim, eles definiram os componentes necessários para que esse tipo de operação fosse viabilizada: células fotovoltaicas (as mesmas hoje utilizadas em placas de energia solar), satélites e transmissão de energia sem uso de fios. Mas a conclusão foi que, apesar de a tecnologia já existir, ela não era financeiramente viável para a época.

Planos atuais

Como estações espaciais de energia solar ainda não existem, há vários métodos que podem ser propostos para sua criação. Uma delas é desenvolver uma série de pequenos satélites que se mantenham próximos, formando uma grande e única placa solar.

Em 2017, por exemplo, cientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia criaram um design para uma estação de energia que funcionava dessa forma. Ela era composta por milhares de pequenos painéis solares, que mediam 10 cm x 10 cm e tinham um peso abaixo de 1,5 g. A conclusão dos pesquisadores foi de que uma estação como essa teria um custo de geração de energia similar ao de uma usina termoelétrica.

Atualmente, a SpaceX já trabalha com uma “constelação de satélites” para oferecer serviço de internet, com o projeto Starlink. A empresa de Elon Musk mantém hoje cerca de 1.700 equipamentos do tipo na órbita terrestre, e o plano é aumentar esse número nos próximos anos. Especula-se que esse tipo de tática possa ser usado, de forma adaptada, para gerar energia elétrica.

No ano passado, o jornal britânico The Telegraph destacou que o grande uso de satélites pela SpaceX fez com que o preço da tecnologia caísse.

Entre 1970 e 2000, o jornal estima que o preço para colocar um quilo na órbita terrestre era equivalente a R$ 105 mil. Desde então, o avanço da tecnologia fez com que esse custo despencasse para algo mais próximo de R$ 10 mil.

O plano britânico

Em 2021, o governo do Reino Unido produziu um relatório em que propunha um modelo de estação de energia solar espacial que necessitaria de uma estrutura de 1.700 metros de largura, o que é mais que o dobro da altura do Burj Khalifa, o arranha-céu mais alto do mundo. Além disso, ele teria um peso de 2.000 toneladas, e teria de orbitar a Terra numa altura de 35 mil quilômetros.

Ciente de que uma estrutura dessas jamais poderia ser lançada ao espaço de uma vez só, o relatório apontava a necessidade de fracioná-la. Assim, milhares de peças do tamanho de um computador doméstico seriam lançadas ao espaço. Lá, a grande estação seria montada por robôs programados para isso.

Uma vez pronta, a estação seria composta por dois espelhos gigantes, que refletiriam a luz na direção dos painéis solares. A energia gerada seria então transmitida para a Terra usando ondas de rádio de alta frequência, desenvolvidas para minimizar a perda pela transmissão.

Por fim, a energia seria capturada usando uma grande “rede de pesca”, composta por uma série de antenas. Essa rede de antenas teria que ter o tamanho de 12 mil campos de futebol.

O plano chinês

Na China, há um plano ambicioso de ter uma estação espacial de energia solar em funcionamento até 2050. Assim, o país seria o primeiro do mundo a fazê-lo. O plano foi anunciado em 2019, e desde então os chineses já iniciaram testes para determinar a melhor maneira de fazer a transmissão da energia solar para a Terra, segundo o jornal estatal China Daily.

Os detalhes de como a tecnologia chinesa funcionaria, contudo, não foram revelados. O projeto, batizado como “Ômega”, teria capacidade para gerar 2 gigawatts de energia elétrica ao ano, o que superaria a capacidade das maiores fazendas solares terrestres, capazes de produzir apenas 1,8 gigawatt.

Em termos de comparação, hoje os EUA possuem capacidade para produzir cerca de 12 gigawatts de energia por ano com as usinas termoelétricas e 0,8 gigawatt com suas usinas nucleares. Os dados são do próprio governo americano.