Documento que propõe rotular energia nuclear e gás natural como fontes energéticas verdes causa divisão na União Europeia

03/01/22 | São Paulo

Reportagem publicada pelo O Globo

Divulgação de projeto no último dia de 2021 levanta críticas. Iniciativa visa encontrar meio-termo para uma das disputas políticas mais acirradas da Europa, que separa França e Alemanha

No final do dia 31 de dezembro, vazou para algumas organizações de imprensa um esboço de proposta formulado pela Comissão Europeia que incluía investimentos em gás e energia nuclear dentro das regras de “taxonomia financeira sustentável” da União Europeia.

A proposta consideraria o gás natural e a energia nuclear como fontes “transitórias” de energia verde, a serem usadas para fazer a ponte entre as mudanças dos países do carvão e de energias emissoras de carbono para tecnologias de energia limpa, como eólica e solar.

“A Comissão [Europeia] considera que existe um papel para o gás natural e a energia nuclear como meio de facilitar a transição para um futuro predominantemente baseado em fontes renováveis”, disse o órgão executivo europeu num comunicado divulgado no sábado.

A data despertou críticas de ambientalistas, que acusaram o órgão Executivo da UE de divulgar as propostas propositalmente no último dia do ano, de modo a reduzir sua visibilidade.

“A Comissão Europeia não poderia ter se esforçado mais para esconder essa proposta”, disse em uma rede social Henry Eviston, porta-voz de finanças sustentáveis do Gabinete de Política Europeia do grupo ambientalista WWF. “Quando o debate era se as energias renováveis são verdes, a Comissão deu aos cidadãos três chances para darem sua opinião. Para gás fóssil e nuclear, temos um documento escrito a portas fechadas e publicado na véspera de Ano Novo.”

O porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, disse em uma entrevista coletiva que o órgão havia prometido apresentar sua posição sobre o que era um “tópico muito complexo e sensível” antes do final do ano.

— Não estávamos tentando fazer isso às escondidas ao divulgar em 31 de dezembro — disse ele. — Posso garantir que nossos colegas prefeririam muito mais ter relaxado nas férias, mas decidiram continuar seu trabalho durante o Natal para garantir que isso fosse divulgado antes do final do ano.

A Comissão Europeia afirmou que iniciou consultas com os países do bloco sobre a proposta, que visa fornecer um conjunto comum de definições do que constitui um “investimento sustentável” na Europa. Qualquer plano final estaria sujeito à aprovação da maioria dos países-membros ou do Parlamento Europeu.

A energia nuclear seria considerada um investimento sustentável se os países pudessem descartar o lixo radioativo com segurança, uma das maiores preocupações do bloco liderado pela Alemanha.

As novas usinas seriam consideradas investimentos sustentáveis até 2045 e teriam que passar por atualizações de segurança durante sua vida útil para garantir “os mais altos padrões de segurança alcançáveis”, de acordo com o projeto.

Já usinas de gás natural seriam consideradas fontes de energia verde “transitórias” para fins de investimento caso atendessem a certos critérios de emissões e substituíssem as usinas de combustível fóssil mais poluentes.

A União Europeia tem trabalhado para tornar a sustentabilidade e as questões climáticas uma parte integrante das suas regras financeiras, a fim de apoiar o chamado Acordo Verde [Green Deal], que visa neutralizar as emissões de carbono da Europa até 2050.

Durante meses de acalorado debate sobre as propostas, alguns países da UE disseram que eram necessários investimentos em gás para ajudá-los a abandonar o carvão, que é mais poluente.

Outros disseram que rotular um combustível fóssil como verde prejudicaria a credibilidade das regras e da UE, que busca ser um líder global no combate às mudanças climáticas.

As regras têm como objetivo direcionar o capital privado e dinheiro público para investimentos renováveis e evitar a chamada “lavagem verde” (“greenwashing”), quando as empresas fazem alegações sem base de que estão se adequando às metas de redução de emissões de carbono.

Usina nuclear de Gundremmingen, no sul da Alemanha (Foto: Foto: LENNART PREISS / AFP)