Eletricidade Gerada em Casa

29/01/15 | São Paulo

Como um pingo da chuva que chega sem vontade às áreas mais castigadas pela seca deste ano em Minas Gerais, os primeiros 62 con- sumidores de energia elétrica mo- vida à luz do sol no estado testam uma fonte alternativa que tem potencial para fazer frente à de- pendência do Brasil da hidreletri- cidade. Mas o modelo apenas en- gatinha. Cerca de 6,5 milhões de consumidores residenciais são atendidos pela Companhia Ener- gética de Minas Gerais (Cemig), com a predominância da geração condicionada aos grandes reser- vatórios de água. Impulsionadas pela crise do setor elétrico, as microusinas solares ganham atenção e a demanda desses pro- jetos surpreende, embora ainda concentrada nas famílias de maior poder aquisitivo e na po- pulação que valoriza insumos limpos e renováveis.

Segundo estimativa da Associa- ção Brasileira de Energia Solar Fo- tovoltaica (Absolar), 90% dos cerca de 250 sistemas de micro e minige- ração conectados à redes das com- panhias distribuidoras no país usam os paineis fotovoltaicos, grandes placas que contêm células de silício capazes de converter a luz solar em energia elétrica. Se pare- ce pouco, o diretor-executivo da instituição, Rodrigo Sauaia, man- tém o entusiasmo ao falar desse mercado, que começou a surgir há pouco menos de dois anos, com tecnologia considerada ro- busta e equipamentos que ofere- cem 25 anos de garantia.

“É um tema que necessita de educação e divulgação. Alemanha, Estados Unidos, Japão e China têm investido muito mais nessa fonte alternativa de energia”, afirma. A crise do setor elétrico, a alta dos preços provocada pela estiagem prolongada e o acionamento das termelétricas aliviaram o peso dos desafios que as usinas solares resi- denciais enfrentam, mas não a ne- cessidade apontada por analistas da área de energia de que sejam criados incentivos ao investimen- to na geração solar. À tributação que persiste sobre o consumidor que opta pelo sistema, juntam-se a proibição da venda do insumo, os equipamentos caros e a falta de li- nhas de financiamento para os projetos, pequenos ou aqueles em escala industrial.

Com a experiência profissional de atuação no setor elétrico e, ago- ra, de ter se tornado um dos novos usuários da energia produzida em microusina solar, Walter Fróes, di- retor-geral da CMU Comercializa- dora de Energia, com sede em Belo Horizonte, decidiu testar esse mer- cado. “Futuro a energia solar tem, mas ainda é cara, embora o preço da energia na rede convencional esteja em crescimento com o acionamento das termelétricas”, afirma. Na casa onde mora no Bairro Mangabeiras, na Zona Sul da capital mineira, ele investiu R$ 80 mil num sistema estruturado em 36 painéis fotovoltaicos de 250 watts (W) cada um, com capa- cidade para gerar 8 mil quilowat- ts (kW) no sol a pino.

Convertida na eletricidade que alimenta a residência, da área ex- terna de lazer aos quartos e à cozi- nha, a energia produzida será sufi- ciente para promover descontos nas contas de luz da casa e do escri- tório de Walter Fróes. Ele espera co- meçar a usufruir do benefício da redução da conta, que hoje passa de R$ 800 mensais, dentro de no máximo dois meses. Um medidor bidirecional , que compõe o sistema das usinas geradoras, faz o ba- lanço entre a energia gerada durante o dia, que, além de suprir a demanda da família de Fróes, entra na rede da companhia de energia, e o caminho inverso, ou seja, o insu- mo que sai da rede distribuidora e os atende à noite, principalmente.

O gasto com os equipamentos somente se pagará, no entanto, dentro de 12 a 14 anos. Fróes lem- bra que na conta dos benefícios da microgeração solar há de se consi- derar, ainda, o conforto de o consu- midor poder fugir das perdas de energia ocorridas no sistema con- vencional de transmissão e distri- buição no Brasil, calculadas em 13%. Na disputa com a hidreletrici- dade e outras fontes mais difundi- das de geração de energia, a grande questão que se coloca para as reno- váveis é como estocá-las. “Se pu- déssemos captar e armazenar toda a energia que emana do sol para a Terra ao longo de um único dia, sustentaríamos o planeta com energia suficiente por um ano e meio”, compara Fróes.

IMPULSO NOVO Há cinco anos no ramo de projetos de geração de energia renovável, o engenheiro e técnico em eletrotécnica Frederico Milward Leitão Garcia vê impulso renovado à startup que criou em BH, a Foto Energy, responsável pe- lo desenvolvimento de sistemas em Minas, no interior de São Paulo e na Paraíba. Os orçamentos dos clientes variam de R$ 5 mil a R$ 500 mil, de acordo com as dimensões dos equipamentos, configurando usinasde140Wa18kW.

Na comparação com o ano pas- sado, a demanda de projetos tripli- cou, de acordo com Frederico Gar- cia. “Desde julho, os pedidos não param de chegar, com a falta de chuvas, risco de racionamento de energia e a conta que vai ficar 30% mais cara”, afirma. Os interessados, em sua maioria, são famílias de maior poder aquisitivo e engajadas na causa da preservação do meio ambiente em casas ou condomínios fechados na Grande BH.

 

Entraves da legislação

 A Cemig estima em 60 dias, na média dos projetos analisados, o prazo para as microusinas de ge- ração solar estarem ligadas à rede da distribuidora, proporcionan- do, então, a redução na conta de energia do empreendedor do sis- tema. A legislação brasileira, con- tudo, difere do regime adotado na Alemanha e nos Estados Uni- dos, que estimulam essas peque- nas geradoras, permitindo que o consumidor venda a energia ex- cedente e a preços competitivos. Com base na Resolução 482, de 2012, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que criou um esquema de compen- sação tarifária, o cliente paga a diferença entre o que consumiu do fornecimento da concessio- nária e a quantidade que seu sis- tema produziu, podendo limitar o pagamento mensal às taxas de iluminação pública e o devido pelos serviços de medição feitos pela companhia.

Os créditos referentes à ener- gia adicional àquela consumida, que o consumidor permitiu ingressar na rede da distribuidora, têm de ser usados como descon- to na conta de luz em 36 meses. Do contrário, ele perde o direito ao benefício. A regra exige, por- tanto, que o sistema seja muito bem dimensionado a favor do usuário. As miniusinas solares chegaram com atraso no Brasil, mas têm grande futuro, na ava- liação do superintendente de tec- nologias e alternativas energéti- cas da Cemig, Alexandre Bueno.

“Os painéis de aquecimento de água chegaram devagar e hoje os conjuntos habitacionais já nascem com esses projetos defi- nidos. Com a energia solar vai ocorrer o mesmo”, afirma. Bueno estima que são necessárias 12 cé- lulas fotovoltaicas de silício para atender quatro pessoas de uma família de classe média, com con- sumo de 300 quilowatts-hora (kWh) por mês. O custo de im- plantação soma cerca de R$ 20 mil com o sistema, em geral pro- jetado para durar de 20 a 25 anos.

Para o gerente de regulação da empresa de consultoria Safira Energia, Fábio Cuberos, o poten- cial da geração de energia solar fi- cará subutilizado no Brasil com as limitações do benefício para quem investe no sistema. “Per- mitir a venda da energia estimu- laria as pessoas a colocar potên- cias maiores em casa. Precisamos aprimorar a legislação nesse sen- tido, o que aumentaria muito a procura e provocaria a baixa de preços do sistema”, afirma.

O engenheiro Euler de Carva- lho Cruz, um dos pioneiros das microusinas solares em BH, não só concorda com a necessidade de mudanças na legislação, co- mo gostaria de investir mais nesses sistemas. Depois de in- vestir R$ 20 mil num sistema que produz 420 kWh na casa em que vive com a família, no Bairro Taquaril, na Zona Leste de BH, ele acumula em créditos 2.000 kWh. Rodrigo Sauaia, dire- tor-executivo da Absolar, diz que os custos de implantação das pequenas usinas solares caíram cerca de 80% na última década e tendem a baratear 5% a 10% ao ano. (MV)