Setor elétrico mira híbridas, mas aguarda regulamentação

12/03/21 | São Paulo

Brasil Energia

Empresas prospectam oportunidades enquanto aguardam regulamentação específica que permita quantificar melhor ganhos e definir tecnicamente os projetos

Os ganhos econômicos e ambientais que podem ser auferidos com a construção de usinas híbridas (ou associadas), combinando, preferencialmente, duas fontes renováveis no mesmo espaço, vêm colocando cada vez mais na ordem do dia das empresas do setor elétrico a prospecção de oportunidades para o desenvolvimento de iniciativas, enquanto aguardam regulamentação específica que permita quantificar melhor ganhos e definir tecnicamente os projetos. A Aneel pretende divulgar esse regramento até junho deste ano, conforme previsto em sua Agenda Regulatória 2021/2022.

Enquanto o processo de regulação avança, o setor discute quais as alternativas mais viáveis para se fazer o arranjo, havendo unanimidade quanto à combinação eólica-solar, justamente as duas fontes de geração que mais crescem no Brasil e no mundo. Já a combinação hídrica-solar, com a construção de parques fotovoltaicos nas superfícies dos reservatórios das hidrelétricas ainda divide os especialistas do setor, embora seja dessa modalidade o maior projeto até agora conhecido.

O braço de geração e transmissão da estatal mineira Cemig tornou pública há algum tempo sua intenção de construir dois parques fotovoltaicos na superfície do lago da UHE Três Marias (396 MW), um de 60 MW e outro de 210 MW, totalizando 270 MW. “Se houver um sinal da regulação esse tipo de solução irá caminhar bem rápido”, prevê Carlos Henrique Afonso, gerente de Expansão da Geração da Cemig e entusiasta das usinas híbridas.

Segundo Afonso, a empresa mineira já tem em andamento outros três estudos para instalação de parques solares sobre lagos de hidrelétricas, totalizando cerca de mais 500 MW, cujos detalhes, incluindo localizações, ainda não estão prontos para serem anunciados. Paralelamente a empresa, que possui dois parques eólicos no Ceará (Volta do Rio, de 42 MW, e Praias de Parajuru, de 28,8 MW), estuda projetos de híbridas eólica-solar no Nordeste do país, não necessariamente relacionados aos dois parques já existentes.

“A complementariedade da forte insolação durante o dia e de ventos fortes e constantes durante a noite fazem do Nordeste do Brasil uma região propícia a essas combinações. Aliás, as possibilidades de energias renováveis no Brasil causam inveja em todo o mundo”, ressalta o executivo da Cemig.

Do ponto de vista da instalação de solares flutuantes sobre os reservatórios, Afonso destaca que além do aproveitamento do espaço ocioso das superfícies dos lagos, ou seja, não precisa de terreno adicional, a perspectiva, segundo ele, já constatada em estudos, de reduzir a evaporação, uma das principais fontes de perda de volume dos reservatórios.

Ainda segundo o gerente da Cemig, a solar flutuante evita um dos problemas dos parques fotovoltaicos em terra, que é a poeira produzida pelo ressecamento. Afonso conta que em 2019 visitou solares flutuantes na China e no Japão e constatou a viabilidade dos empreendimentos, sendo que, neste último, conheceu a solar flutuante mais antiga do mundo, instalada na superfície de um reservatório de água para consumo humano.

O executivo lamenta a constatação de que estaria havendo uma tendência das autoridades brasileiras a privilegiarem, inclusive nos debates regulatórios, a alternativa de projetos novos (greenfield) de usinas híbridas, algo que, segundo ele, iria prejudicar principalmente a combinação hídrica-solar, uma vez que há pouca perspectiva de construção de hídricas novas com reservatórios no país, mas também a construção de parques solares nos terrenos onde já funcionam parques eólicos, impedindo, entre outras coisas, a otimização do uso desses espaços.

Muitas vantagens

Sérgio Fonseca, diretor de Desenvolvimento de Negócios da CTG Brasil, subsidiária da China Three Gorges Corp., é outro executivo de grande geradora a ver com otimismo as perspectivas das híbridas no Brasil. “A construção de usinas híbridas, principalmente a combinação eólica-solar, tem potencial no mercado brasileiro”, diz. Discreto em relação a estudos, o executivo afirma apenas que “a CTG Brasil trabalha 100% com energia limpa e todas as possibilidades de otimização dessas atividades são avaliadas de acordo com critérios econômicos, sociais e ambientais”.

Fonseca realça ainda que a principal vantagem neste momento da solução híbrida é a possibilidade de melhores custos de construção da infraestrutura de subestações e de linhas de transmissão. Mas acrescenta que, quando da regulação específica, outros benefícios são esperados, incluindo a otimização dos Montantes de Uso do Sistema de Transmissão (Must) e, consequentemente, dos custos relacionados com a Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (Tust).

O dirigente destaca ainda que, na China, a CTG possui híbridas de eólicas com solares, combinação que ele considera ser também a mais viável aqui. “São fontes com perfil de geração altamente complementar”, justifica. Para Fonseca, a combinação com hidrelétrica tem complicadores que começam por ser esta uma fonte com despacho centralizado.

No caso de uma hidro solar, ele ressalta que o ONS teria que transferir para o gerador a responsabilidade de gestão, uma vez que os despachos das duas fontes não poderiam exceder os limites de capacidade da subestação comum e nem da linha de transmissão. Essa possibilidade, segundo Fonseca, exigiria mudança no próprio regulamento do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), que hoje não viabiliza tal transferência de responsabilidade.

Outro obstáculo às combinações hidro solar, para o diretor da CTG Brasil, seria o preço de construção da solar mais elevado do que em terra, pela necessidade de instalação de flutuadores, e a tendência à geração menor, uma vez que as solares flutuantes geralmente não usam sistemas de rastreamento do sol e nem painéis bifaciais. Fonseca disse que as estimativas de mercado são de que a solar flutuante fica de 20% a 30% mais cara do que a mesma usina em terra.

Afonso, da Cemig, ouvido antes de Fonseca, reconhece que o custo de instalação é maior nas flutuantes, mas entende que esse diferencial tende a baixar significativamente quando houver escala para a produção de flutuadores. Ele afirma que os novos projetos de flutuantes contemplam as tecnologias mais modernas, incluindo painéis que se movimentam para acompanhar a incidência da luz solar.

Pioneirismo em flutuantes

A Sunlution, empresa brasileira especializada em geração por fontes renováveis para autoprodução, micro e minigeração distribuída, utiliza sistemas fotovoltaicos com tecnologia flutuante para lagos, represas e sistemas solares em solo e telhado.

Em parceria com a Chesf, do Grupo Eletrobrás, mantém projeto de Pesquisa & Desenvolvimento que instalou painéis fotovoltaicos flutuantes em área de 10 mil metros quadrados na Usina Hidrelétrica de Sobradinho, no interior da Bahia, hoje responsáveis pela geração de 1MWp. Em uma segunda etapa, já em curso, a capacidade subirá para 2,5 MWp. Para se ter ideia do que representa o potencial da hibridização, em 70 anos a Chesf construiu 10 GW em hidrelétricas. Se forem utilizados 10% da lâmina d’água dessas 10 hidrelétricas, será possível instalar 52 GW em energia solar flutuante. Em cinco anos seria possível quintuplicar a capacidade.

“A instalação das chamadas usinas solares flutuantes terá um impacto econômico, social, ambiental e de eficiência do modelo de geração muito importante para o país”, afirma Luiz Piauhylino Filho, especialista em legislação internacional na área de energia e sócio da Sunlution e da KWP Energia. Segundo o executivo, a União Europeia projeta instalação de 3.350 GW adicionais até 2050 em energias renováveis na meta do carbono zero. E estudo recente publicado pela Michigan State University sobre o caso específico do Brasil mostra que a associação das hidroelétricas a outras fontes aumenta o fator de capacidade em até 17,3%. De fato, o Brasil é beneficiado por condições que poucos lugares no mundo têm: água, vento e sol em abundância.

A Engie Brasil é outra empresa interessada na evolução das híbridas, e vem participando das discussões sobre a regulamentação dos parques híbridos no Brasil, além de desenvolver projetos com o objetivo de serem enquadrados quando vier a regulamentação. Para a empresa, subsidiária da francesa do mesmo nome, a maior possibilidade de sinergia para seus negócios está na associação eólica-solar.

Consulta pública

Desde 21 de outubro, o setor energético analisa proposta da Aneel que vai normatizar e dar segurança jurídica à instalação dos novos parques de geração sobre lâminas d’água no gigantesco complexo de hidrelétricas em todo o País. Para atender até junho, conforme seu próprio cronograma, as expectativas dos agentes sobre o que virá na regulamentação das híbridas, a Aneel informou que está preparando o lançamento de uma consulta pública (CP) que vai colher contribuições para a elaboração da norma referente ao uso do sistema de transmissão pelas usinas híbridas ou associadas.

A CP em preparação será a segunda no processo de elaboração das regras para a construção de usinas híbridas no Brasil. A primeira, feita de outubro a dezembro do ano passado, avaliou o relatório de Análise do Impacto Regulatório (AIR) que se seguiu à Tomada de Subsídio para colher impressões dos agentes sobre o tema. Atualmente, segundo a agência seus técnicos estão avaliando as contribuições recebidas naquela primeira CP.

As etapas seguintes à segunda consulta que está para ser lançada serão a análise das contribuições que forem recebidas e, em seguida, o exame pela diretoria da Aneel das normas elaboradas a partir de todos os estudos feitos, a aprovação dessas normas e publicação ainda neste semestre. É com isso que o mercado conta para transformar as intenções em negócios.