Petroleiras se preparam para “enterrar” carbono. O que isso significa?

21/03/21 | São Paulo

Reportagem publicada no Exame

Com as políticas climáticas dos EUA e Reino Unido, empresas como Exxon Mobil, BP e Tesla estão investindo quantias milionárias para acelerar a tecnologia de captura de carbono e se tornarem mais verdes

Durante mais de três décadas no ramo de petróleo e gás, Andy Lane gerenciou a construção de enormes instalações de extração e transporte de gás natural em lugares como Trinidad e Indonésia.

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Agora, está trabalhando em sua Inglaterra natal, assumindo um empreendimento complexo e caro que, essencialmente, visa reverter o que ele passou fazendo durante grande parte de sua carreira.

A mais nova tarefa de Lane será coletar a poluição de carbono de um grupo de indústrias químicas no nordeste da Inglaterra e enviá-la para um reservatório no fundo do Mar do Norte.

O projeto multibilionário pode ser um avanço para a tecnologia conhecida como captura e armazenamento de carbono, conceito que existe há pelo menos um quarto de século para reduzir as emissões industriais que prejudicam o clima.

A ideia soa enganosamente simples: capturar os poluentes antes que consigam escapar para a atmosfera, e enterrá-los no fundo do solo, onde não causam mal algum. Essa tecnologia, porém, mostrou-se extremamente cara, e não foi adotada tão rapidamente quanto alguns defensores esperavam.

Ainda assim, muita atenção está sendo dada à captura de carbono como forma de cumprir as metas do acordo climático de Paris de 2016. Durante sua campanha eleitoral, o presidente Joe Biden promoveu a captura de carbono; no mês passado, a Exxon Mobil anunciou um investimento de US$ 3 bilhões em esforços de baixo carbono, incluindo o procedimento; e, uma semana depois, Elon Musk prometeu investir US$ 100 milhões em um concurso que busca a melhor tecnologia de captura de carbono.

O projeto na Inglaterra, em uma área chamada Teesside, ao longo do Rio Tees, é liderado pela gigante petrolífera BP. A área abriga um dos maiores grupos de fábricas e refinarias poluentes do país. Ao uni-las – coletando todas as emissões por gasoduto mediante uma taxa –, a BP espera alcançar uma escala suficiente para transformar o combate à poluição em um negócio lucrativo.

Segundo Lane, Teesside tem muitas das grandes fontes de emissões industriais no Reino Unido, e é por isso que o projeto “faz sentido”.

Além disso, o projeto está rapidamente se tornando um ponto focal do governo do primeiro-ministro Boris Johnson, que quer garantir apoio no reduto do Partido Trabalhista. Os votos para o Partido Conservador de Johnson na região o ajudaram a vencer as eleições nacionais de 2019 por uma grande diferença.

Em três de março, Teesside foi designada como um dos oito “freeports” na Inglaterra, que são as zonas econômicas com impostos mais baixos e outros incentivos comerciais. Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro, também favoreceu a região em sua apresentação orçamentária no Parlamento naquele dia, citando o esforço de captura de carbono ao chamar Teesside de “a economia futura deste país”.

Lane e o influente prefeito conservador da região, Ben Houchen – descrito por Sunak como “líder local inspirador” –, retratam a captura de carbono como meio de rejuvenescer áreas industriais degradadas como Teesside. “Isso coloca a região no mapa e atrai investimentos adicionais”, disse Houchen.

Seus planos certamente transformariam Teesside em um vasto canteiro de obras, potencialmente empregando dois mil trabalhadores. A BP e seus parceiros propuseram construir uma grande usina elétrica abastecida por gás natural perto de uma siderúrgica na foz do rio. A usina ajudaria a substituir aquelas que queimam combustíveis fósseis na Grã-Bretanha e forneceria eletricidade sobressalente, essencial quando a crescente frota de parques eólicos offshore do país estiver produzindo menos. Equipamentos específicos removeriam o dióxido de carbono liberado pela usina.

Um sistema de gasodutos passaria pela área, capturando mais dióxido de carbono de uma fábrica de fertilizantes e de uma que produz hidrogênio, elemento que vem se destacando como combustível de baixo carbono. A BP também espera conectar outras fábricas da área. Os dutos levariam o dióxido de carbono a 145 quilômetros sob o Mar do Norte, onde seria bombeado para rochas porosas abaixo do fundo do mar.

Outras quatro gigantes do petróleo – a Royal Dutch Shell, a norueguesa Equinor, a francesa Total e a italiana Eni – também investem no plano, embora o início dos trabalhos esteja aguardando o compromisso financeiro do governo britânico. O preço da etapa inicial pode se aproximar de US$ 5 bilhões.

Cerca de duas dúzias de projetos de captura de carbono estão operando globalmente, mas a tecnologia tem dificuldade para superar os altos custos e as preocupações com a responsabilização caso o dióxido de carbono escape de alguma forma.

Alguns também veem a técnica como uma grande ajuda – mesmo que cara – para empresas poluidoras. “A captura de carbono está sendo usada como um cavalo de Troia pela indústria de combustíveis fósseis para manter viva a demanda por seu produto”, apontou Mike Childs, chefe de ciência, política e pesquisa da Friends of the Earth no Reino Unido. Ele acrescentou que seria melhor criar processos que, para começo de conversa, não fossem poluentes.

A captura de carbono teve várias tentativas de implantação na Grã-Bretanha. David Hopkins, diretor executivo da britânica CF Fertilisers, grande emissora e provável cliente da BP, informou que vem discutindo versões do projeto Teesside “há pelo menos dez anos”.

Mas metas cada vez mais ambiciosas em relação às mudanças climáticas ajudam a fortalecer tecnologias como a captura de carbono. Embora o Reino Unido e outros países tenham feito progressos na redução das emissões na geração de energia elétrica, a captura de carbono será necessária para lidar com poluidores de grande escala, como o setor do aço, o do cimento e o químico, de acordo com especialistas.

Muitos governos e corporações entendem que, cada vez mais, a captura de carbono será necessária como parte do portfólio de tecnologias para zerar as emissões de carbono, disse Samantha McCulloch, analista da Agência Internacional de Energia em Paris. Segundo ela, o investimento nessa tecnologia está se acelerando.

As companhias petrolíferas também estão sob crescente pressão para reduzir o teor de carbono dos produtos que vendem. Elas estão investindo em energia eólica e solar, comprovadamente eficazes, além de tecnologias, como a da captura de carbono, que se encaixam em sua área e que provavelmente só vão se pagar daqui a mais de dez anos.

A diferença no esquema de Teesside é a tentativa de transformar as emissões em virtude. Lane e Houchen, o prefeito de Tees Valley, alegaram que isso poderia ajudar a preservar 5.500 empregos em fábricas químicas na área, além de atrair novos investidores que queiram eliminar suas emissões. O desemprego entre os 675 mil eleitores de Houchen é cerca de um terço maior que a média britânica.

Grandes poluidores dizem que o plano da BP pode mantê-los no negócio. Eles já pagam cerca de US$ 45 por tonelada de gases nocivos emitidos sob um sistema de comércio de emissões, e é bem provável que esse valor aumente. Hopkins, da CF Fertilisers, que emprega 200 pessoas em Teesside fabricando fertilizantes que usam hidrogênio derivado do gás natural, comentou que a instalação pode acabar enviando 700 mil toneladas por ano de dióxido de carbono para os gasodutos da BP.

Se lançada na atmosfera, essa quantidade custaria mais de US$ 30 milhões por ano em impostos de carbono ao preço atual. Com a ligação ao sistema de captura de carbono, espera-se que usuários como a CF paguem taxas negociadas com o governo, que seriam competitivas ou mais baratas do que o imposto sobre o carbono.

Hopkins observou que, sem um plano de captura de carbono, a fábrica pode ser obrigada a fechar por causa da pressão dos fertilizantes importados mais baratos, produzidos com níveis mais altos de poluentes.

A captura de carbono tem um papel enorme a desempenhar no cumprimento das metas climáticas, disse Oswald Clint, analista do Bernstein, grupo de pesquisa de mercado. E acrescentou que, se as grandes companhias petrolíferas conseguirem ganhar dinheiro com a captura de emissões industriais, isso será ainda melhor.