O blecaute e o armazenamento de energia elétrica

21/09/23 | São Paulo

Artigo publicado no Canal Energia

Impedir a participação de renováveis com armazenamento de energia elétrica em leilões é incompatível com a neutralidade e isonomia tecnológica e diminui a competição e concorrência no setor, prejudicando toda a sociedade brasileira com menores chances de redução de custos e preços na oferta destes serviços

O blecaute no sistema elétrico brasileiro, ocorrido na manhã do dia 15 de agosto e que deixou diversos estados sem eletricidade por horas, reacendeu o debate sobre a importância da transição energética e a necessidade de o Brasil acelerar sua caminhada para uma economia cada vez mais competitiva e descarbonizada, assumindo maior protagonismo internacional no combate às mudanças climáticas que ameaçam a humanidade e o País.

Com dimensões continentais e devidamente interconectado quase em sua totalidade por uma vasta rede de transmissão, o sistema elétrico brasileiro é robusto e seguro. Porém, há espaço para melhorar esta infraestrutura essencial da sociedade brasileira e reduzir riscos e prejuízos ocasionados por blecautes e apagões. Com melhorias, poderemos aumentar a flexibilidade da operação do sistema e acelerar ainda mais o aproveitamento do imenso potencial de recursos renováveis disponível em território nacional, incluindo sol, ventos, biomassa e águas, que geram a grande maioria da eletricidade utilizada pela nossa população.

Neste sentido, uma das tecnologias mais estratégicas para melhorar a matriz elétrica brasileira é o armazenamento de energia elétrica, com opções que vão de baterias ao bombeamento e estocagem de água em reservatórios para gerar eletricidade em momentos de necessidade. O armazenamento de energia elétrica terá papel cada vez mais importante para fortalecer o avanço das fontes renováveis e a descarbonização da matriz elétrica brasileira, além de melhorar a segurança de suprimento, a flexibilidade operativa, a qualidade de atendimento e a autonomia elétrica dos consumidores brasileiros.

De acordo com estudo recente da BloombergNEF, dos 411 gigawatts (GW) previstos de projetos de armazenamento até 2030 no mundo, 61% estarão na gestão de usinas centralizadas de geração de energia elétrica, com destaque para o uso baterias em grandes usinas solares. Tal avanço está relacionado com as recentes políticas de incentivo anunciadas pelo governo dos Estados Unidos e pela União Europeia, que apostam no armazenamento como parte das medidas de combate às mudanças climáticas e de redução da dependência do gás natural da Rússia. Pujante em diversos países no mundo, com destaque para Alemanha, Austrália, China, Estados Unidos e Japão, o mercado de armazenamento de energia elétrica ainda mal começou no Brasil.

Segundo relatório da agência governamental de cooperação alemã GIZ (Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit), o Brasil possui atualmente cerca de 150 megawatts-hora (MWh) em sistemas de armazenamento de energia elétrica implementados. A grande maioria desses sistemas são micro instalações, localizadas em regiões remotas da Amazônia. Também existem alguns sistemas operados por clientes comerciais e industriais, bem como um de grande porte, implementado na subestação de Registro, no estado de São Paulo. Com capacidade de 60 MWh, este sistema contribui para a segurança de suprimento elétrico do litoral paulista, especialmente durante períodos de alta temporada, quando a demanda elétrica aumenta fortemente. É muito pouco para um país da dimensão continental do Brasil e que se orgulha de ser o maior mercado de energia elétrica da América Latina.

No Brasil, existem inúmeras aplicações estratégicas da tecnologia de armazenamento ao Sistema Interligado Nacional (SIN), ainda pouco aproveitadas. Uma delas é a contratação da chamada “reserva de capacidade”, que atualmente é feita via leilões do Governo Federal. Aqui há um gargalo governamental a ser superado: existem restrições nos editais do Ministério de Minas e Energia que impedem a participação de fontes renováveis e armazenamento de energia elétrica em todas as modalidades destes leilões, restringindo parte dos produtos a fontes fósseis e hidrelétricas, apesar de que muitas vezes o armazenamento de energia elétrica com renováveis poderia suprir estas demandas com mais eficiência e menos custos.

Impedir a participação de renováveis com armazenamento de energia elétrica em leilões é incompatível com a neutralidade e isonomia tecnológica e diminui a competição e concorrência no setor, prejudicando toda a sociedade brasileira com menores chances de redução de custos e preços na oferta destes serviços.

Para destravarmos o potencial do armazenamento de energia elétrica de trazer ao Brasil bilhões de reais em novos investimentos e dezenas de milhares de novos empregos, precisamos resolver três questões fundamentais: (i) desenvolver um marco regulatório específico para o armazenamento de energia elétrica, com regras claras que tragam segurança jurídica e previsibilidade para consumidores, empreendedores e investidores; (ii) reduzir a carga tributária excessiva que hoje desincentiva a tecnologia, equiparando-a às fontes renováveis e tornando-a acessível aos consumidores; e (iii) criar novas oportunidades de demanda para o armazenamento de energia elétrica, incluindo-o em leilões de potência e reserva de capacidade, leilões dos sistemas isolados para o atendimento de comunidades isoladas e remotas, bem como incorporando-o junto às infraestruturas de transmissão e distribuição, para torná-las mais robustas, resilientes e confiáveis.

A transição energética no Brasil e no mundo passa pela ampliação dos investimentos em fontes renováveis, combinada com um uso cada vez maior de tecnologias de armazenamento de energia elétrica. As baterias trazem mais segurança, flexibilidade operativa e robustez para a operação do sistema elétrico brasileiro. Também terão papel estratégico para ajudar a reduzir a necessidade de fontes fosseis, mais caras e poluentes, na matriz elétrica brasileira. Por isso, a regulação brasileira precisa acompanhar a evolução do mercado e da tecnologia, em linha com as novas demandas do setor elétrico e dos consumidores, à exemplo do resto do mundo.

Acelerar a participação do armazenamento de energia elétrica no Brasil significa não só trazer mais robustez, flexibilidade e confiabilidade ao sistema elétrico, mas também acelerar a descarbonização da economia e da matriz elétrica, bem como destravar um novo mercado, capaz de atrair investimentos bilionários e gerar milhares de empregos locais e de qualidade no Brasil.

Rodrigo Sauaia é CEO da ABSOLAR. Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR