Renováveis no Brasil: maturidades diferentes para cada fonte exigem cuidados especiais

27/09/18 | São Paulo

Estadão

A energia solar fotovoltaica é a mais recente dentre as novas fontes renováveis a contribuir para o desenvolvimento sustentável da matriz elétrica brasileira. E chegou para ficar. Baseada na conversão direta da radiação do sol em eletricidade, sem partes móveis, sem ruídos, com baixa manutenção e de simples e rápida instalação, a fonte têm proporcionado ao País inúmeros benefícios socioeconômicos, ambientais e estratégicos, cada vez mais relevantes à nossa sociedade.

Não por acaso, países de todo o mundo têm estruturado programas, políticas e incentivos para acelerar o crescimento da energia solar fotovoltaica. Há mais de uma década, nações em desenvolvimento, incluindo China, Índia, África do Sul, Turquia e México, e desenvolvidas, dentre elas Alemanha, Japão, EUA, Reino Unido, França, Espanha, Itália, Canadá e Austrália, contam com medidas de promoção à energia solar fotovoltaica, com amplo sucesso e apoio popular.

Em 2018, a Califórnia, quinta maior economia do planeta, anunciou duas novas diretrizes para a fonte solar fotovoltaica. Primeiro, a partir de 2020, todas as novas residências construídas deverão produzirenergia renovável em seus telhados a partir do sol. Segundo, a partir de 2045, toda a eletricidade consumida na região deverá ser proveniente de fontes não-emissoras de gases de efeito estufa, principalmente das renováveis, como a solar fotovoltaica.

O objetivo é de aproveitar o imenso potencial da fonte, agregando valor às economias nacionais, regionais e locais, com atração de novos investimentos privados, geração de milhares de empregos locais qualificados e economia no orçamento de famílias, empresas e governos, que passarão a gerar a própria energia nos telhados, aumentando seu poder de compra e sua competitividade.

Os benefícios líquidos da energia solar fotovoltaica são imensos e o Brasil ainda precisa pôr em prática medidas adequadas para sua efetiva inclusão na matriz elétrica, aliviando a demanda por recursos hídricos cada vez mais escassos e reduzindo o despacho das usinas termelétricas a partir de combustíveis fósseis, em favor de um futuro sustentável, competitivo, saudável e com mais qualidade de vida.

No entanto, causa estranhamento que, no Brasil, a solar fotovoltaica esteja sendo tratada como uma fonte que “já amadureceu” por alguns agentes do setor elétrico brasileiro. A informação não confere com os fatos: conforme dados oficiais da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em 1.º de janeiro de 2017, havia no Brasil apenas 27,8 Megawatts (MW) em usinas de geração centralizada solar fotovoltaica em operação, equivalentes a menos de 0,01% da matriz elétrica nacional. Em setembro de 2018, eram apenas 1.322,1 MW operacionais, equivalentes a 0,83% da matriz elétrica, cuja potência total em operação equivale a 160.209,7 MW. Por sua vez, na mesma data, a biomassa representava mais de 14.674,2 MW (8,8%) da matriz elétrica nacional, a fonte eólica somava 13.340,9 MW (8,0%) e as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) equivaliam a 5.117,5 MW (3,2%).

Esta clara disparidade é explicada pelos marcos regulatórios e legais do setor elétrico nacional: a fonte solar fotovoltaica não foi incluída no Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), instituído pelo Decreto nº 5.025 de 2004, programa este que representa parcela considerável dos incentivos dados na forma de descontos nas tarifas de uso dos sistemas elétricos de transmissão e distribuição (TUST e TUSD).

O Proinfa, considerado o principal impulsionador inicial da energia eólica no Brasil, incentivou apenas três fontes renováveis: eólica, biomassa e PCHs. A fonte solar fotovoltaica foi lamentavelmente deixada de fora e nunca fez parte deste programa, por isso não representa nenhum real sequer dos custos destes incentivos aos consumidores brasileiros.

Desse modo, não seria justo ou coerente dizer que estas fontes renováveis possuem a mesma maturidade ou que tiveram acesso aos mesmos incentivos. Claramente não é o caso, uma vez que há diferenças muito significativas entre os programas de incentivo que foram desenvolvidos e as consequentes participações de cada fonte na matriz. Há renováveis que já usufruem de benefícios há mais de uma década, notadamente eólica, biomassa e PCHs, enquanto outras, como a solar fotovoltaica e o biogás estão apenas começando a ser incorporadas ao País.

A fonte solar fotovoltaica representa fração irrisória da matriz elétrica brasileira: ainda está processo de desenvolvimento, com a maioria dos projetos contratados em fase de construção. Consequentemente, é atualmente a menor dentre todas as renováveis e, consequentemente, a que menos teve acesso a incentivos dos governos federal e estaduais. Assim, não se pode tratá-la como se tivesse recebido o forte suporte já dado às demais renováveis.

Para facilitar a transparência e a compreensão da sociedade brasileira em relação aos incentivos às renováveis presentes na conta de luz, a ABSOLAR recomenda a segregação, por fonte beneficiada, dos incentivos pagos pelos consumidores, de modo a demonstrar, numericamente e com clareza, os montantes financeiros destinados a cada fonte renovável.

Justiça significa tratar iguais como iguais, mas também reconhecer e tratar diferentes como diferentes. O conceito se aplica perfeitamente às fontes renováveis no Brasil, já que cada uma possui um nível distinto de maturidade, tendo recebido suporte governamental por períodos muito diferentes e, consequentemente, tendo atingido participação na matriz elétrica nacional bastante variada. Por isso, seria um erro eliminar simultaneamente incentivos a fontes tão distintas, como se a situação de cada uma delas fosse equivalente -claramente este não é o caso.

Vale lembrar ainda que, quando se avalia a eficiência econômica dos incentivos aplicados para as diferentes fontes de energia (carvão mineral, termelétricas a óleo combustível, nuclear, biomassa, PCHs, CGHs, eólica, solar fotovoltaica, entre outras), a solar fotovoltaica tem resultados expressivos na relação custo-benefício.

Para cada real investido na forma de incentivo, a solar fotovoltaica apresenta uma das maiores reduções de preço de geração ao consumidor, em período extremamente curto de seu desenvolvimento, dado que o primeiro leilão federal para a fonte ocorreu apenas em 2014 e, agora, desponta como a segunda nova fonte renovável mais competitiva do País, conforme observado nos leilões de energia A-4, realizados em 2017 e 2018.

A solar fotovoltaica é uma das fontes mais democráticas do planeta e traz o consumidor para o centro das decisões. Mesmo em processo inicial de desenvolvimento no País, a energia solar fotovoltaica tem despertado interesse em massa da população, conforme atesta pesquisa do Ibope Inteligência de 2018, que mostra que nove em cada dez brasileiros quer gerar a sua própria energia em casa.

*Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de EnergiaSolar Fotovoltaica (ABSOLAR)

*Rodrigo Sauaia é CEO da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)