A mentira do ‘subsídio’ à energia solar

28/02/20 | São Paulo

O Globo

Você deve ter ouvido falar da polêmica entre a Aneel e o setor de energia solar fotovoltaica ou viu o anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que proibiria a “taxação” desejada pela agência.

A fala do presidente gerou otimismo no mercado. A Aneel, porém, mantém aberta a consulta pública 025/2019, para revisar as regras para a geração distribuída. Por ela, será diminuído o percentual compensado da tarifa energética que um sistema injeta na rede, nas futuras instalações, o que originou a terminologia “taxar o sol”. Houve reação da sociedade e da classe política, e surgiu o projeto de lei, do deputado federal Lafayette de Andrada, que faz uma abordagem equilibrada da discussão e deve auxiliar na resolução do imbróglio.

Friso que os órgãos, desde o Ministério de Minas e Energia até a própria Aneel, deixaram claro que nada muda para os que conectarem sistemas fotovoltaicos até a data da mudança da norma, que terá um período de vacância (provavelmente 31/12/2020). Assim, não há razão para preocupações no caso de quem já adquiriu sistemas ou vai adquirir antes desse prazo, o mínimo para preservar a segurança jurídica no país.

A questão é que um grupo formado por economistas, aspirantes a políticos e consultores (que cobrem o setor elétrico) defende um cenário radical. Argumentam que a rede de distribuição possui custos fixos, repassados na tarifa. Dessa forma, quem gera sua própria energia deixa de pagá-los e, portanto, possui “subsídios” que devem ser revistos. O que esses recém-chegados ao tema não sabem é que os números que embasam esses supostos subsídios foram criados com um relatório tendencioso, de uma facção que trabalhou a vida toda para as distribuidoras de energia, maiores beneficiadas com a revisão.

Os números bilionários foram divulgados como uma contribuição à revisão da Aneel com o erro primário de comparar preços de geração centralizada (que usa linhas de transmissão) com geração distribuída (local), sem levar em consideração a redução de perdas do “efeito vizinhança”. “Esqueceu” a imensa arrecadação de impostos da venda de equipamentos e serviços de energia solar. Ignorou a redução dos custos da energia com a diminuição do despacho das caríssimas usinas termoelétricas. Desconsiderou que há formas diferentes de geração distribuída com impactos também diferentes. Conclusão, não existe subsídio à energia solar.

Os “custos” são ínfimos se comparados aos benefícios. A rede de distribuição apenas transmite o excedente de energia entre vizinhos próximos, além de aumentar a capacidade instalada da matriz elétrica com investimento do consumidor, que passa a ter renda liberada para reinvestir na economia.

Apenas 0,21% dos consumidores gera energia hoje no país, mas o impacto empreendedor é incrível. Existem mais de 10 mil empresas, a maioria de pequeno porte, que criaram mais de 100 mil postos de trabalho até 2020 e vão gerar pelo menos 300 mil novos empregos entre 2019 e 2022, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). Isso se não houver mudanças.

Por fim, imagine se no início do século 21 as operadoras de telefonia fixa fizessem lobby para barrar a telefonia móvel com o argumento do “subsídio”. Afinal, os clientes que utilizavam telefone “com fio” pagariam mais caro na tarifa com a evasão para o mobile. Será que o mundo teria avançado? Concorrência, inovação e disrupção tecnológica aumentam a eficiência em qualquer mercado. Quem divulga números incorretos dos supostos “subsídios” deixa de reconhecer os ganhos gerados pela geração distribuída e está no lado errado da história. Quando a energia solar se tornar uma fonte majoritária, como o celular se tornou na telefonia, quem terá coragem de admitir que apoiou essas medidas? Ou alguém ainda usa exclusivamente o telefone fixo?