Até a fonte solar fotovoltaica virou alvo de ‘fake news’

03/05/19 | São Paulo

Estadão

O setor elétrico brasileiro entrou de vez na era do “big data”, das redes sociais, da digitalização e da tecnologia da informação. Para o bem e, em alguns casos, para o mal. A transparência tornou-se palavra de ordem para empresas, governos e para o próprio cidadão e consumidor. Há muitos avanços a se comemorar, entretanto, há também novos desafios a serem compreendidos e superados pela sociedade.

A política pública aplicada ao setor elétrico brasileiro – estratégica para a retomada do crescimento econômico nacional – suscita perguntas com relação aos programas de incentivos e de desenvolvimento da matriz elétrica, essenciais para garantir a segurança e o suprimento de eletricidade da sociedade, com competitividade e sustentabilidade.

Na tentativa de retardar o avanço da fonte solar fotovoltaica no Brasil, grupos econômicos específicos, ligados ao setor elétrico e imbuídos de seus próprios interesses, adotaram uma abordagem muito comum, porém totalmente lamentável, presente nos novos tempos de evolução tecnológica em que vivemos: o bombardeio de “fake news”.

Exemplo evidente desta situação está nos discursos sobre os incentivos pagos pelos consumidores via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Há uma tentativa de imputar à fonte solar fotovoltaica um peso (ou um custo aos consumidores) que não se verifica de fato.

Buscando evitar a contaminação deste importante debate com informações inverídicas, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) solicitou à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) o detalhamento, por fonte de geração de energia elétrica, dos incentivos vinculados e pagos na CDE.

O objetivo é de proporcionar mais transparência, clareza e informação qualificada à sociedade brasileira, demonstrando, com dados oficiais, que a fonte solar fotovoltaica não pesa no bolso dos consumidores do País.

Primeiro, a fonte solar fotovoltaica não foi incluída em nenhuma das fases do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), instituído pelo Decreto nº 5.025 de 2004, considerado o principal programa de incentivo para fontes renováveis da última década e que representa parcela importante na atual composição da CDE.

Por estar em processo de desenvolvimento e com projetos contratados ainda em fase de construção, a fonte solar fotovoltaica representa uma parcela pequena da matriz elétrica brasileira e, por isso, sua contribuição nos custos da CDE é ínfima. Basta olhar os números do setor.

De acordo com os dados oficiais do Banco de Informações de Geração, da ANEEL, em 1.º de janeiro de 2017, havia no Brasil apenas 27,8 megawatts (MW) em usinas de geração centralizada solar fotovoltaica em operação no País, equivalentes a menos de 0,01% da matriz elétrica nacional. No início de abril de 2019, atingiu-se 2,1 mil MW, equivalentes a 1,2% da matriz elétrica brasileira, enquanto que a biomassa representou 14,8 mil MW (8,6%), a fonte eólica somou 14,9 mil MW (8,7%) e as PCHs equivaleram a 5,2 MW (3,2%).

Discutir uma racionalização da CDE é, sem dúvida, importante no atual momento do País. Porém, é preciso começar este debate pelos principais custos históricos já arcados pela sociedade, levando-se em conta não só as renováveis, mas todas as fontes de geração de energia, incluindo as fósseis, que hoje representam fração elevada da CDE, via termelétricas e geradores a diesel – caros, barulhentos e poluentes – operando em regiões isoladas. Tais projetos poderiam ser rapidamente substituídos por fontes renováveis com armazenamento de energia, solução mais barata e sustentável para a população.

O segundo tema alvo de desinformação e que exige reparo está no debate sobre o aprimoramento da Resolução Normativa nº 482 da Aneel, que permite aos consumidores gerar, consumir, compartilhar com a rede e compensar a sua própria eletricidade a partir de fontes renováveis.

Esta resolução inovadora é amplamente reconhecida como uma evolução de paradigma do setor elétrico brasileiro, que trouxe mais liberdade de escolha, redução de custos, autonomia e empoderamento aos consumidores cativos, ainda prisioneiros de um único fornecedor monopolista de energia elétrica em sua região.

Um dos temas centrais nesta discussão está no modelo de compensação de energia elétrica, que estabelece a forma de valoração da energia elétrica gerada por microgeração ou minigeração distribuída.

Durante os últimos debates regulatórios, as equipes técnicas da ANEEL corretamente incorporaram diversos dos atributos positivos da geração distribuída na metodologia de análise, comparando estes atributos com os eventuais custos existentes.

Entre os benefícios incorporados na análise estão a energia elétrica evitada, redução de perdas na distribuição e transmissão e postergação de investimentos em nova capacidade de geração. Apesar de ser um bom começo, a conta ainda está incompleta. É necessário considerar, por exemplo, a postergação de investimentos em transmissão e distribuição de eletricidade, alívio das redes pelo efeito vizinhança, geração de empregos e renda, aumento de arrecadação decorrente dos investimentos privados feitos pelos próprios consumidores, diversificação da matriz elétrica e redução de emissões de gases de efeito estufa, entre diversos outros.

Assim, quando levamos corretamente estes aspectos em consideração, é notável o valor líquido positivo que a geração distribuída solar fotovoltaica agrega à sociedade brasileira, muito superior a quaisquer custos pontuais ou redução de receitas dos monopólios de distribuição. Reiterados estudos internacionais confirmam tais resultados, como os realizados pelos renomados Lawrence Berkeley National Laboratory, do Departamento de Energia do Governo dos EUA, e pelo centenário Brookings Institution, ambos dos EUA.

A Resolução Normativa nº 482 e a geração distribuída representam uma das mais importantes transformações regulatórias para promover o espírito empreendedor dos consumidores no setor elétrico brasileiro. Formam a tão sonhada carta de alforria aos consumidores residenciais, comerciais, industriais e rurais do mercado cativo, libertando-os da posição de meros espectadores passivos para empoderá-los como protagonistas ativos do setor e da matriz.

Por isso, antes de alarmismos sobre supostos custos da geração distribuída, vale a reflexão: a quem interessaria bombardear com “fake news” essa nova e poderosa ferramenta de liberdade aos cidadãos e consumidores do Brasil?

*Rodrigo Sauaia é Presidente Executivo da ABSOLAR; Ronaldo Koloszuk é presidente do Conselho de Administração da ABSOLAR.