Bancos de desenvolvimento adotam critérios ESG para liberar crédito

01/03/22 | São Paulo

Reportagem publicada pela Inteligência Competitiva

Usina fotovoltaica financiada pelo BDMG na cidade de Manga, no norte de Minas Gerais

A transição para uma economia verde tem ganhado apoio do mundo corporativo, mas a questão do financiamento ainda permanece um desafio. Para alguns setores, descarbonizar operações pode significar a completa reestruturação das cadeias de valor —o que demanda investimentos nada triviais.

A necessidade de mobilizar recursos para projetos complexos joga luz sobre a atuação dos grandes financiadores de longo prazo no Brasil: os bancos de desenvolvimento.

De uns tempos para cá, essas instituições têm reforçado suas agendas sustentáveis, ampliando incentivos para iniciativas de impacto socioambiental e vinculando o crédito a critérios ESG (ambiental, social e governança, na sigla em inglês).

Um dos bancos que vêm buscando protagonismo nesse cenário é o BDMG (Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais).

Mais de 60% dos financiamentos feitos pela instituição em 2021 foram vinculados a algum dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Os recursos destinados a projetos de energias renováveis, por exemplo, chegaram a R$ 169 milhões.

O tema da transição energética está entre os focos. Em 2019, o banco captou 100 milhões de euros (R$ 627 milhões) para investimentos na área, por meio de uma parceria com o Banco Europeu de Investimento.

Até o momento, 29 iniciativas já foram financiadas, o que inclui 25 projetos de energia solar, três centrais hidrelétricas e um projeto de iluminação pública eficiente em Minas Gerais.

Recentemente, o BDMG deu outro passo na transição para um portfólio de investimentos mais verde. Durante a COP26, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, o banco firmou o compromisso de não financiar projetos que envolvam extração, comercialização e transporte de combustíveis fósseis a partir de 2023.

“É preciso ter um novo tipo de produção, de economia, e nós entendemos que é nosso mandato, como instituições financeiras de desenvolvimento, promover isso”, afirma Sergio Gusmão Suchodolski. Até meados de janeiro de 2022, ele atuou como presidente do BDMG e da ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento), entidade formada por bancos de desenvolvimento, agências de fomento e cooperativas de todo o país.

Segundo Suchodolski , a organização tem estimulado a transição nas carteiras de investimentos dos associados que, juntos, detêm quase 73% do crédito de longo prazo para as empresas no Brasil e 45% do crédito total.

“Em várias regiões do país, existem parcerias entre bancos subnacionais e multilaterais para os temas da sustentabilidade e financiamento climático”, diz.

O ex-presidente da ABDE entende que a contribuição dos bancos de desenvolvimento na agenda ESG é múltipla. Além de incentivar iniciativas de impacto positivo —por meio de linhas de crédito com juros menores e prazos maiores—, também atuam como estruturadores de projetos e como instituições de conhecimento e capacitação técnica.

O papel multifacetado dessas instituições frente ao tema também é apontado por Bruno Aranha, diretor de crédito produtivo e socioambiental do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Na visão dele, a canalização de recursos estrangeiros é uma das principais contribuições que os bancos podem dar na transição para uma economia de baixo carbono —o que pode ser feito por meio dos “green bonds” (títulos verdes).

“Em 2017, nós fizemos uma primeira emissão de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões). Esses recursos, que foram comprados por investidores internacionais, puderam ser utilizados para financiar novos parques solares e eólicos no Brasil“, explica.

Outra atribuição que Aranha vê para os bancos de desenvolvimento é o de induzir boas práticas no mercado. Ele cita o exemplo do Crédito ASG, programa do BNDES que condiciona o custo do empréstimo ao desempenho sustentável de uma companhia.

“Se a empresa me der uma contrapartida não financeira, eu aceito reduzir os juros desse financiamento”, diz.

Segundo o diretor, o BNDES já tem iniciativas para estimular a sustentabilidade nos setores de madeira, metalurgia e siderurgia. Em dezembro, foi a vez de a cadeia da carne entrar na lista, com a publicação de uma circular mudando as regras para liberação de recursos para abatedouros.

Agora as empresas precisam comprovar, por meio de auditoria independente, que nenhum de seus fornecedores têm condenações relativas a desmatamento, nem estão incluídos na lista de áreas embargadas do Ibama.

A auditoria anual será exigida até a amortização dos contratos e vale não só para os fornecedores diretos, mas para toda a cadeia de produção.

“Eu vejo o papel dos bancos de desenvolvimento desta forma: canalizando recursos internacionais, prospectando projetos no Brasil e, através de produtos inovadores, induzindo o investimento com a geração de impacto ambiental e social”, afirma Aranha.?

BANCOS DE DESENVOLVIMENTO PRECISAM TER SENSO DE URGÊNCIA, DIZ ESPECIALISTA

O engajamento das instituições de fomento com a agenda ESG é positivo, mas a pergunta a ser feita é: em que medida elas estão tratando as pautas prioritárias para o desenvolvimento sustentável do Brasil com senso de urgência?

O questionamento é feito por Vanessa Pinsky, pesquisadora da USP e especialista em ESG. Na visão dela, os bancos têm mais condições de priorizar o tema, atuando inclusive em agendas pouco atrativas para a iniciativa privada.

Um exemplo seriam os projetos de adaptação climática, que demandam investimentos pesados —como no caso dos portos.

Em novembro de 2021, um estudo feito pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) mostrou que os portos brasileiros já sentem os efeitos da crise do clima. A perspectiva é que ameaças como vendavais, tempestades e elevação do nível dos oceanos se agravem nos próximos anos, com potenciais riscos para a economia do país.

“O financiamento de projetos para preparar a infraestrutura desses portos é uma agenda para ontem”, afirma.

Segundo Pinsky, a taxa de inadimplência costuma ser menor nos bancos de desenvolvimento, o que abre espaço para arriscar mais.

“É preciso considerar em que medida os bancos estão assumindo mais risco para financiar operações inovadoras e projetos que proponham soluções para problemas sociais e ambientais”, diz.