Bloqueio de 6 dias no Canal de Suez afetará mercado fotovoltaico no Brasil?

29/03/21 | São Paulo

Reportagem publicada no Canal Solar

Especialistas e empresários do setor solar analisam quais impactos poderão ser sentidos no país

Após seis dias encalhado no Canal de Suez, no Egito, o enorme cargueiro Ever Given voltou a navegar por volta das 10h30 desta segunda-feira (29). Segundo a Autoridade do Canal de Suez, a embarcação de 400 metros de comprimento foi reposicionada e liberada da margem do canal de onde estava.

Atualmente, o Canal de Suez é responsável por cerca de 10% do comércio marítimo internacional e é uma das principais travessias marítimas do mundo para o transporte de mercadorias e matérias-primas.

A preocupação de profissionais e empresas com o incidente é o impacto que ele deve provocar na cadeia produtiva internacional. Afinal, o mercado fotovoltaico brasileiro deve ser afetado negativamente?

Empresários e especialistas em negócios internacionais afirmaram ao Canal Solar que o incidente não deve afetar diretamente o mercado fotovoltaico brasileiro, no que diz respeito à disponibilidade de produtos e insumos. Porém, pode impactar o preço do frete devido à indisponibilidade de contêineres pelo atraso provocado.

“Não influenciará em nada a rota para o Brasil de navio. Porém, além do mega congestionamento causado, as embarcações podem demorar umas duas semanas a mais para dar uma volta inteira no continente e chegar no mesmo destino. Isso pode influenciar diretamente o custo dos fretes”, destacou Lucas Angelo, gerente de operações na empresa Fusion Trade Participação.

“Os fretes estão caindo como esperado, mas o aumento do frete é por causa da falta de contêineres. Então, isso pode acarretar uma alta para daqui a duas a quatro semanas, devido ao número de navios que irão atrasar para chegar ao destino”, acrescentou.

Segundo estimativa da consultoria Lloyd’s List Intelligence, o valor diário dos contêineres que transitam pelo Canal de Suez é de aproximadamente US$ 9,5 bilhões (cerca de R$ 53 bilhões). Deste total, contêineres que somam cerca de US$ 5 bilhões (R$ 28,2 bi) vão para o oeste e outros US$ 4,5 bilhões (R$ 25,4 bi) para o leste.

Wladimir Janousek, especialista em tecnologias e processos produtivos de módulos fotovoltaicos, explicou que caso o bloqueio do canal de Suez pelo cargueiro durasse mais tempo, o comércio internacional poderia ser impactado em escala global, em diferentes níveis.

“A Europa seria mais afetada, pela disponibilidade no curto e médio prazo de insumos e bens acabados e que já começavam a afetar indústrias da região. Os impactos em outros mercados se dariam em especial por uma redução na oferta de embarcações e contêineres, pois as rotas com origem na Ásia e destinadas à Europa se constituem em um mercado relevante e seriam atendidas por navio adicionais e com tempo de trânsito alongado, com a obrigatoriedade de rotas contornando o continente africano”.

“Considerando as restrições já em vigor de cargueiros e contêineres nas rotas da China para a América do Sul, estes fatores poderiam contribuir para novo aumento de custos, gerados pela oferta e procura em mercados com maiores volumes”, concluiu.

Para Kamilla Pierin, customer success da LogComex, empresa especializada em inteligência de dados para importação e exportação, o impacto do bloqueio no Canal de Suez no Brasil será a longo prazo. “As consequências a longo prazo, como a falta de contêineres, omissão e atraso de navios nos portos, nova alta de frete marítimo, podem afetar diretamente nosso país. Na Europa há risco de consequências mais diretas para a população, como a falta de suprimentos e equipamentos devido ao atraso dos navios”.

Os principais distribuidores de equipamentos fotovoltaicos no Brasil afirmaram ao Canal Solar que seus estoques não devem ser afetados. Um dos principais motivos é que trabalham com planejamento prévio.

“A Aldo está com seu estoque normalizado, o suficiente para atender a demanda de 60 dias”, afirmou Aldo Teixeira, fundador e presidente da Aldo Solar. Ele ainda informou que a empresa não utiliza a rota em que o Canal de Suez está localizado.

“Como os equipamentos que a Ecori importa vêm da China, em geral os navios não fazem essa rota pelo Canal de Suez. Se por acaso algum deles estiver nesse caminho, a distribuição aqui não será afetada porque a Ecori trabalha com um bom estoque de produtos, exatamente para evitar qualquer problema”, comentou Leandro Martins, da Ecori Energia Solar.

Antônio Carlos Frederico, diretor comercial, de marketing e novos negócios da Renovigi, também garantiu que os compromissos da Renovigi Energia Solar com seus clientes serão mantidos.

“Nesse primeiro momento, o bloqueio do Canal de Suez não afetará nossas operações, uma vez que não utilizamos a rota Ásia/Europa. Porém, não podemos descartar efeitos futuros desse impacto na chegada de matéria-prima, uma vez que o navio interferiu na rota de outras embarcações e pode refletir em impactos para toda cadeia”, destacou.

A PHB Eletrônica também garantiu ao Canal Solar que a empresa não foi afetada pelo incidente. Quem também afirmou que não será afetada foi a distribuidora BelEnergy. Segundo a empresa, o transporte marítimo utilizado pela companhia não utiliza a rota que passa pelo Canal de Suez.

Especialistas alertam que um estudo de rotas traz solução rápida para grandes imprevistos durante o trajeto das cargas, como o incidente no Canal de Suez.

“Quanto maior o nível de planejamento e estudo, e quanto mais se tentar alcançar a previsibilidade nessas operações, menos surpresas negativas os players terão”, analisa Helmuth Hofstatter, CEO da LogComex, startup líder no fornecimento de dados e inteligência para o comércio exterior.

Ainda segundo Hofstatter, muitos custos cobrados em uma operação de transporte internacional estão associados à escolha da rota, por esse motivo é necessário conhecer quais taxas são aplicadas em determinados locais e identificar onde isso ocorre com frequência.

“Além de pedágios, que são as mais comuns, existem outras taxas que são cobradas em determinadas regiões que estejam em guerra, por exemplo, ou em que exista alta incidência de roubo, ou lugares onde há dificuldade na atracação do navio. Para cada movimento não planejado que acontece existem custos: a taxa de congestionamento, a capacidade de eficiência de armazéns e terminais, a greve dos caminhoneiros. O estudo de rotas deve apresentar diferentes cálculos de viabilidade financeira, incluindo os fatores de risco e seus custos”, diz.

Para o especialista, uma das ferramentas para fazer esse planejamento é a utilização de big data na logística, tecnologia que auxilia o comércio exterior a ter mais previsibilidade nas operações. Por meio de softwares, o sistema coleta, organiza e apresenta uma grande variedade de dados que, transformados em informações, indicam uma melhor tomada de decisão para a escolha das rotas e para a negociação internacional, além de contribuir com o aumento da competitividade no mercado.