08/11/23 | São Paulo
Reportagem publicada em Visão Agro
O Brasil está entre os países mais bem posicionados para a produção em larga escala de hidrogênio de baixa emissão de carbono, combustível com alto poder calorífico apontado como importante vetor para a transição energética. O país tem potencial técnico para gerar 1,8 gigatonelada de hidrogênio por ano, sendo por volta de 90% desse volume com uso de energias renováveis.
Os dados integram o Plano Decenal de Expansão de Energia 2031, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME).
O estudo identifica diversas fontes e rotas tecnológicas para a produção de hidrogênio de baixo carbono, considerado por muitos especialistas o combustível do futuro por sua capacidade de auxiliar na descarbonização do planeta. É esperado que ele venha a substituir o uso de combustíveis fósseis em setores da economia como o de transportes e de indústrias intensivas em energia (siderúrgicas, metalúrgicas e cimenteiras). Os combustíveis fósseis são responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE), associados ao aquecimento global e às mudanças climáticas.
Hidrogênio de baixa emissão de carbono é a nova terminologia empregada pela Agência Internacional de Energia (IEA) para designar o hidrogênio (H2) produzido por diferentes rotas com emissão nula ou reduzida de dióxido de carbono (CO2). Integram esse grupo o hidrogênio produzido a partir da reforma do etanol e de outros biocombustíveis ou biomassas (resíduos agrícolas ou florestais); o hidrogênio gerado a partir da eletrólise da água com uso de fontes renováveis (eólica, solar, hidráulica) ou de energia nuclear; o hidrogênio resultante do processo de reforma térmica do gás natural com captura, sequestro e uso de carbono (CCUS); o hidrogênio natural, que pode ser extraído do solo, entre outros.
De acordo com o Programa Nacional de Hidrogênio (PNH2), do governo federal, os projetos de hidrogênio de baixa emissão de carbono já anunciados somam cerca de US$ 30 bilhões. Analistas e pesquisadores do setor energético consultados por Pesquisa Fapesp mostram-se otimistas quanto ao protagonismo do país nesse novo mercado.
“O Brasil reúne as condições necessárias para ser um dos líderes globais do setor”, avalia o especialista em energias renováveis Ricardo Ruther, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador de uma recém-inaugurada usina experimental de produção de hidrogênio verde (H2V) – o produzido por meio da eletrólise da água – da instituição.
“Temos abundância de fontes renováveis de energia eólica e solar, essenciais para a produção de hidrogênio sustentável; um mercado organizado, competitivo e dinâmico de geração de energia elétrica por fontes renováveis; um parque industrial que pode absorver a produção em larga escala de hidrogênio; e relativa proximidade com o mercado europeu, para onde o combustível será exportado”, afirma.
Combustível renovável e limpo
A atenção que se dá ao hidrogênio combustível se explica pelo fato de seu poder calorífico ser cerca de três vezes superior ao do gás natural, da gasolina ou do diesel. Embora abundante no mundo, o hidrogênio raramente é achado de forma isolada, mas está presente no etanol (C2H6O), no metano (CH4) e em outros combustíveis fósseis, além da água (H2O).
Para isolar a molécula de hidrogênio e utilizá-la como energia para mover veículos automotores ou em procedimentos industriais, esses compostos precisam ser submetidos a processos químicos.
A principal rota para a produção de hidrogênio é a reforma a vapor do gás natural, cujo principal elemento constituinte é o metano. Nesse processo, o metano é submetido a altas temperaturas em um reator e transformado em H2 e CO2. O hidrogênio gerado não é classificado como sustentável porque, durante o processo, o CO2 é lançado na atmosfera contribuindo com o aumento de GEE. Para cada quilo de hidrogênio (kgH2) produzido, são emitidos cerca de 11 kg de CO2.
As diversas rotas para a produção de hidrogênio são comumente identificadas por uma cor. Por essa classificação, que pode sofrer variações conforme o autor, o hidrogênio produzido a partir do metano com emissão de CO2 é chamado de cinza, mas, caso o carbono seja capturado, passa a ser designado de azul; o hidrogênio eletrolítico é denominado verde; o que usa energia nuclear na sua produção, roxo ou rosa.
Por entender que a classificação de cores é imprecisa e desprovida de aplicação prática em processos decisórios de contratação de projetos na área, podendo gerar dificuldades regulatórias, a IEA propôs recentemente substituí-la por uma nova nomenclatura baseada na intensidade de emissões da produção de hidrogênio. O organismo passou a sugerir o uso do termo “hidrogênio de baixa emissão”. No Brasil, o PNH2 segue essa recomendação.
Na Europa, para que o hidrogênio receba o rótulo de baixa emissão é preciso que durante seu processo de geração sejam lançados na atmosfera, no máximo, 3,8 kg de CO2 por kg de H2 produzido (kgCO2/kgH2). O Brasil ainda não definiu seu limite de emissão, mas projeto de lei em tramitação propõe que esse valor seja de até 4 kgCO2/kgH2.
A produção de hidrogênio de baixo carbono no mundo ainda é pequena. O relatório Global Hydrogen Review 2023, da IEA, informa que 95 milhões de toneladas de hidrogênio de todos os tipos foram gerados em 2022. Desse total, cerca de 94 milhões de toneladas foram oriundos da reforma térmica do metano, processo com emissão de GEE, e menos de 1 milhão de toneladas foi de hidrogênio de baixo carbono, sendo que a maior parte veio da reforma do metano com sequestro e captura de carbono.
Mas esse panorama deve mudar rapidamente. As projeções de produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono para 2030 remontam a 38 milhões de toneladas.
A China lidera o incipiente mercado de hidrogênio de baixo carbono, com 30% da produção, seguida por Estados Unidos, Oriente Médio, Índia e Rússia, de acordo com o anuário da IEA. A participação do Brasil é pequena. “Estima-se que em 2022 foram produzidas 509 mil toneladas de hidrogênio no país a partir do gás natural e somente 29 mil toneladas de origem eletrolítica”, diz o engenheiro da EPE, Gustavo Pires da Ponte.
Esse volume deve crescer nos próximos anos em razão de diversas ações e projetos na área. Em junho, o governo paulista lançou uma iniciativa que busca incentivar projetos com foco na descarbonização das cadeias produtivas no estado. Uma das frentes é a Rota Paulista Verde, no âmbito da qual está estruturado o Programa de Hidrogênio de Baixo Carbono, criado com o objetivo de estimular o potencial do estado para diferentes rotas de produção do gás.
“Pretendemos desenvolver a cadeia de valor para toda a indústria de hidrogênio de baixo carbono, o que inclui equipamentos, componentes, serviços e capacitação, sem pré-selecionar uma rota tecnológica ou outra”, declara a subsecretária de energia e mineração da secretaria do meio ambiente, infraestrutura e logística do estado de São Paulo, Marisa Maia de Barros. “Queremos estimular a produção de hidrogênio de baixo carbono, privilegiando a vocação energética paulista”, completa.
O estado de São Paulo, segundo Barros, tem potencial para produzir hidrogênio a partir de diversas fontes, entre elas o etanol e o biometano, biocombustível gasoso gerado a partir do processamento de resíduos do setor sucroenergético.
“Biometano e gás natural são exatamente a mesma molécula (CH4). A diferença é que o primeiro é de origem renovável e o segundo de origem fóssil. A mesma tecnologia, já dominada, que utiliza gás natural para produzir hidrogênio, pode usar o biometano”, diz a subsecretária. “O desafio é dar escala à produção do biometano”, explica.
O principal projeto de produção de hidrogênio a partir de produtos ou subprodutos do setor sucroenergético, como etanol e vinhaça, é desenvolvido pelo Centro de Pesquisa e Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela Fapesp e Shell, que recebeu R$ 465 milhões em investimentos desde sua criação, em 2015, sendo R$ 45 milhões da Fundação. O grupo trabalha em três frentes, sendo que a investigação mais adiantada é a que prevê a reforma a vapor do etanol.
Nesse método, o combustível é submetido a temperaturas e pressões específicas e reage com a água em um reator químico, dando origem ao hidrogênio. Carbono biogênico, de origem não fóssil, oriundo da cana-de-açúcar, é emitido no processo. Uma unidade de demonstração está sendo instalada na Universidade de São Paulo (USP) na capital paulista.
O projeto, no valor de R$ 50 milhões, financiados pela Shell, tem como parceiros a empresa Hytron, a companhia do setor sucroenergético Raízen, a montadora japonesa Toyota, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e a USP, por meio do RCGI. A planta-piloto, prevista para entrar em operação no segundo semestre de 2024, terá 425 metros quadrados e capacidade para gerar 4,5 kg de hidrogênio por hora.
“Será a primeira estação experimental de abastecimento de hidrogênio renovável do mundo a partir de etanol”, diz o engenheiro e físico Julio Meneghini, também diretor científico do RCGI e professor da Escola Politécnica da USP. O combustível será usado em três ônibus e um automóvel, todos elétricos e dotados de um dispositivo chamado célula a combustível, que gera eletricidade a partir do hidrogênio, sem emitir GEE.
“Se o etanol tiver uma pegada negativa de emissão de CO2 em seu processo produtivo, ou seja, eliminando mais carbono do que o lançado na atmosfera, o hidrogênio gerado passará a ter uma pegada negativa”, afirma Meneghini.
O etanol pode ser negativo em carbono se não forem usados fertilizantes nitrogenados no plantio da cana nem combustíveis fósseis nas máquinas agrícolas e caminhões de transporte do insumo. O carbono emitido no processo de fermentação da cana teria que ser capturado e armazenado.
O coordenador de projetos do RCGI, Thiago Lopes, destaca uma vantagem do hidrogênio gerado a partir da reforma térmica do etanol: a logística de transporte. Ele explica que o transporte do hidrogênio produzido no processo de eletrólise ainda é complexo e caro, pois exige a compressão do gás em cilindros de alta pressão ou sua liquefação em tanques criogênicos (mantidos em baixíssima temperatura), o que encarece o envio do combustível de seu local de produção para o de consumo.
“Esse problema não existe na conversão do etanol em hidrogênio. O etanol já tem uma cadeia de transporte estabelecida. É muito mais fácil transportá-lo na forma líquida do que comprimir ou liquefazer o hidrogênio”, destaca Lopes.
O reformador de etanol do projeto foi desenvolvido pela Hytron. “Projetamos essa nova tecnologia com o apoio da Fapesp e chegamos a um estágio pré-comercial. Com o teste do equipamento na USP, vamos elevar o grau de maturidade da tecnologia, chegando ao nível comercial”, ressalta o diretor comercial da Hytron, Daniel Lopes.
Outra frente de investigação com etanol no RCGI, em estágio inicial, é sua transformação em hidrogênio por meio de uma reforma eletroquímica. “Nesse caso, utiliza-se eletricidade para quebrar a molécula de etanol e gerar hidrogênio, em um processo parecido ao da eletrólise da água”, explica o coordenador do projeto, o engenheiro químico Hamilton Varela, também diretor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP.
De acordo com o químico Edson Antonio Ticianelli, que participa do estudo e do programa de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), da FAPESP, uma das propostas do grupo foi substituir a reação anódica do eletrolisador, que no sistema convencional é a reação de oxidação da água, pela oxidação do etanol, o que melhora a eficiência energética do processo.
Os pesquisadores investigam materiais adequados à produção de catalisadores que favoreçam a quebra da molécula do etanol. Superado esse desafio, o próximo será desenvolver um reformador eletroquímico para o etanol.
A terceira linha de pesquisa usa como matéria-prima a vinhaça. Para cada litro de etanol produzido, são gerados cerca de 12 litros desse material, um subproduto 95% composto por água. A vinhaça tem alto potencial de contaminação do lençol freático e emissão de GEE.
Para minimizar esses efeitos, hoje ela é reaproveitada como biofertilizante no plantio da cana. No projeto do RCGI, a vinhaça é concentrada em um reator eletroquímico para reduzir a fração de água e gerar hidrogênio sustentável e oxigênio. O grupo já depositou uma patente do processo.
Além das três rotas investigadas pelo RCGI, também há no Brasil estudos prevendo o uso direto de etanol em células a combustível de óxido sólido (Sofc). Nesse caso, a quebra da molécula do etanol para a geração de hidrogênio ocorrerá no veículo – e não em uma estação independente, como no projeto da USP. Pesquisas com esse foco são feitas no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), com apoio da Fapesp.
Hidrogênio eletrolítico
Além de iniciativas focadas na conversão de biomassa e biocombustíveis em hidrogênio de baixo carbono, avançam no país projetos de geração do chamado hidrogênio verde (H2V), cujo processo produtivo é nulo ou praticamente nulo em emissão de CO2. São plantas comerciais ou experimentais, boa parte em estágio inicial.
Em Pernambuco, a fabricante de gases industriais White Martins iniciou em 2022 a produção no Complexo Industrial de Suape. Foi o primeiro H2V certificado no país e na América do Sul. Usando energia solar, a planta pode produzir 156 t do gás por ano, que serão destinadas a uma indústria de alimentos da região.
Na Bahia, a fábrica de fertilizantes nitrogenados Unigel pretende começar em 2024 a produzir hidrogênio verde em escala industrial no Polo Petroquímico de Camaçari, com uso de energia eólica. Ao custo de R$ 120 milhões, a fábrica terá capacidade de 10 mil t anuais do gás. Em dois anos, a produção deve quadruplicar.
Outro projeto em operação no país fica no Complexo Termelétrico do Pecém, no Ceará, onde a companhia energética EDP Brasil produz H2V em uma usina-piloto, um projeto de pesquisa e desenvolvimento com capacidade para produzir 197 t por ano a partir de energia solar. O governo cearense planeja estabelecer no Porto do Pecém o primeiro hub nacional de H2V.
“Trinta e três memorandos de entendimento já foram assinados com empresas nacionais e estrangeiras, sendo que três avançaram para a fase de pré-contrato”, informa o secretário-executivo da indústria da secretaria de desenvolvimento econômico do estado do Ceará, Joaquim Rolim. “Devemos começar a produção comercial em 2026 ou 2027 e projetamos gerar cerca de 1 Mt de hidrogênio verde a partir de 2030”, diz.
“O Ceará, assim como todo o Nordeste, tem grande potencial para a geração de energia eólica e solar, principal insumo para a geração de hidrogênio verde. A localização do estado, mais próxima dos portos europeus e norte-americanos, favorece a exportação do combustível renovável”, analisa a engenheira química Diana Azevedo, que ainda atua como vice-reitora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretora do Centro de Tecnologia da universidade.
Também professora do Departamento de Engenharia Química da UFC, Azevedo coordena uma pesquisa relacionada à cadeia produtiva do hidrogênio verde, mais especificamente à estocagem e ao transporte do combustível. “Transportar o hidrogênio do ponto onde é gerado ao de consumo é desafiador, pois ele é um gás extremamente leve que requer muita energia para ser armazenado, na forma gasosa ou liquefeita”, esclarece Azevedo.
Uma forma de superar essa dificuldade é transformar o hidrogênio em compostos líquidos, como amônia, ou incorporá-lo em sólidos, como no hidreto de magnésio, e depois recuperá-lo. “Nossas pesquisas preveem a criação de compósitos com magnésio, ferro e suportes carbonosos para o armazenamento químico de hidrogênio”, diz a pesquisadora.
Pesquisas para a produção de hidrogênio de baixo carbono também são realizadas na UFSC e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), entre outras universidades e centros de pesquisa brasileiros, que inauguraram recentemente plantas-piloto para a geração de H2V. As duas iniciativas têm apoio da Cooperação Alemã para o Desenvolvimento Sustentável (GIZ).
“Nosso projeto tem capacidade para produzir 3 toneladas de hidrogênio por ano a partir de eletrolisadores, que usam energia fotovoltaica”, informa a coordenadora do projeto e professora do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, Andrea Santos.
“Vamos testar o combustível em bicicletas elétricas híbridas movidas a hidrogênio e células a combustível, em processos industriais e em células a combustível de óxido sólido. Também investigaremos novos catalisadores para a produção de biocombustíveis e combustíveis sustentáveis de aviação [SAF], que podem ser fabricados a partir de H2V”, completa Santos.
Em setembro, a pesquisadora publicou com colegas da UFRJ um artigo de revisão avaliando a produção de hidrogênio no país a partir de uma perspectiva técnico-econômica. Segundo o estudo, publicado na revista Energies, “a eletrólise é o processo mais investigado na literatura, pois contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa e apresenta outras vantagens, como maturidade, eficiência energética, flexibilidade e potencial de armazenamento de energia”.
Na UFSC, a usina experimental de H2V também terá múltipla função. “Será ao mesmo tempo um laboratório de pesquisa aplicada em hidrogênio verde e seus derivados, um laboratório-escola voltado à capacitação profissional dos recursos humanos e uma vitrine tecnológica com o estado da arte das tecnologias envolvidas na produção desse combustível renovável”, destaca Ruther.
Fruto de um investimento de R$ 14 milhões do governo alemão, os telhados e a fachada dos prédios da usina são usados para captar energia solar. “Vemos um paralelo entre o desenvolvimento da energia solar, o armazenamento de energia, a mobilidade elétrica e o hidrogênio verde”, compara Ruther.
“Foi o desenvolvimento da tecnologia solar fotovoltaica, sua aplicação em grande escala e a resultante redução de custos que trouxeram essa fonte à posição de ser hoje a tecnologia mais barata para a produção de energia elétrica no Brasil e no mundo. Na nossa visão, o mesmo processo está em curso com a tecnologia do hidrogênio verde”, completa.
Pedras no caminho
Apesar do potencial brasileiro para a produção de hidrogênio de baixo carbono, muitos desafios ainda precisam ser superados para o país elevar a escala produtiva, a começar pelo seu preço final. De acordo com a IEA, em 2022 a produção de 1 kg de hidrogênio de fontes fósseis custava entre US$ 1,50 e US$ 6,10, enquanto o de baixa emissão de carbono também a partir de combustíveis fósseis se situava entre US$ 1,80 e US$ 7,60. O valor do chamado hidrogênio verde ia de US$ 3,80 a US$ 12.
A redução do custo do H2V depende de algumas variáveis, entre elas a disponibilidade e o preço da energia elétrica renovável usada para converter a água no gás. “O valor da energia elétrica é um elemento crucial na composição do custo do H2V”, alerta a economista do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da UFRJ, Caroline Chantre.
A pesquisadora é coautora de um artigo publicado 2022 na revista Sustainable Production and Consumption que analisou a percepção de agentes econômicos sobre o desenvolvimento do mercado de hidrogênio no país. “Nosso estudo mostrou que, em termos gerais, o médio prazo, entre seis e 10 anos, foi apontado por 43% dos agentes como uma estimativa adequada para a maturidade do H2V no Brasil”, informa.
Outra dificuldade para elevar a escala produtiva do H2V, segundo estudo publicado na Nature Energy, em 2022, é a capacidade de eletrólise, que se relaciona à fabricação de eletrolisadores e à construção de usinas que adotem essa rota. “Mesmo que a capacidade de eletrólise cresça tão rapidamente como a energia eólica e solar, o fornecimento de H2V permanecerá escasso no curto prazo e incerto no longo”, apontam os autores.
Tornar os eletrolisadores mais eficientes é parte da solução do problema. Um campo de pesquisa é o desenvolvimento de catalisadores, materiais que elevam a velocidade das reações químicas na eletrólise, de baixo custo, fácil produção e boa eficiência energética. Esse é o foco do trabalho da química, professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e pesquisadora do Centro de Inovação em Novas Energias (Cine), um CPE apoiado pela Fapesp, Lucia Helena Mascaro.
O grupo emprega materiais compostos formados por níquel, molibdênio e cobre, níquel e fósforo, níquel, cobalto e fósforo e molibdênio e enxofre. “Essas ligas têm alta estabilidade e baixo potencial para a reação de redução da água, implicando boa eficiência energética”, diz Mascaro. “Além disso, são materiais não nobres e abundantes. Os catalisadores são preparados por meio de eletrodeposição, uma técnica simples, escalável e de baixo custo”.
Diante dos resultados das pesquisas, publicadas no Journal of the Electrochemical Society e no ACS Applied Materials & Interfaces, entre outros periódicos científicos, a equipe partiu para a montagem e o teste de protótipos de eletrolisadores com os novos catalisadores em escala maior e mais próximos do sistema real.
Também na UFSCar, outra linha de estudo que pode tornar mais atrativo o processo de geração de hidrogênio é liderado pelo engenheiro químico do Laboratório de Tecnologias Ambientais, Luís Augusto Martins Ruotolo. O objetivo do trabalho é realizar, simultaneamente, em um único equipamento (um reator eletroquímico) a geração de hidrogênio e o tratamento de efluentes industriais. “É uma estratégia inovadora que pode contribuir para o aumento da produção de hidrogênio”, diz o pesquisador.
Ele explica que uma forma de tratar esses efluentes, resíduos aquosos contendo poluentes orgânicos oriundos de processos químicos industriais, é pela rota eletroquímica, composta por duas meias reações, a anódica, que ocorre em um dos polos do reator, e a catódica, no outro. “As reações anódicas são responsáveis pela degradação dos poluentes orgânicos, deixando o efluente pronto para o descarte”, explica Ruotolo.
“Nossa proposta é usar a reação catódica para produção simultânea de hidrogênio. Assim, uma unidade de tratamento de efluentes industriais poderia passar a ser também uma usina de hidrogênio”, diz o pesquisador.
Especialistas também destacam a necessidade de alinhar as perspectivas de produtor e consumidor, criando demanda pelo hidrogênio. “Esse problema começa a ser resolvido quando surge uma procura em grande escala, como a que se desenha na Europa, estimulando investimentos no Brasil”, diz Ruther, da UFSC.
A elaboração de um marco regulatório e o estabelecimento de políticas públicas de incentivo também são fundamentais para impulsionar os diversos projetos ainda em estágio inicial de hidrogênio de baixo carbono no país.
“A regulação é elemento-chave para garantir estabilidade e segurança aos investimentos”, afirma Chantre. “Apesar de o Brasil ter vantagens competitivas expressivas, ainda precisamos avançar em termos de políticas públicas alinhadas a uma estratégia de descarbonização de longo prazo”, completa.
Fonte: Agência Fapesp