Brasil tem potencial de ser primeira economia carbono zero; entenda

09/07/22 | São Paulo

Reportagem publicada pelo Ecoa – Uol

Não tem mais discussão: o aquecimento da Terra é influenciado por nós, humanos, e nossas ações no planeta. Basta dar uma olhadinha no último relatório do IPCC. “A maior parte dessa ação é justamente a queima de combustíveis”, afirma Amanda Ohara, coordenadora do portfólio de energia do Instituto Clima e Sociedade (iCS). Nos Estados Unidos, o líder de emissões mundiais, 82,4% das emissões históricas vêm dos combustíveis fósseis, segundo levantamento da Carbon Brief.

Há países tentando diminuir nosso impacto no aquecimento, no entanto. Com a eleição de Gustavo Petro para presidente, em junho, a Colômbia abraçou o combate às mudanças climáticas e a pauta da transição para fontes de energia renováveis. Para Ricardo Baitelo, especialista em política energética e coordenador de projetos do Instituto Energia e Meio Ambiente (IEMA), a notícia é muito boa, mas ainda é cedo para dizer como isto vai influenciar os outros países da região.

E o Brasil?

O momento atual é muito positivo para a transição energética, avalia Ricardo. “O mundo já tem muito claro que esta é a forma de enfrentar a crise climática”, aponta. Ao mesmo tempo, a pandemia de covid-19 abriu uma porta para que a recuperação econômica mundial fosse verde, e muitos países já têm planos concretos para isso.

O Brasil tem tudo para sair na frente nessa corrida. Dados da Empresa de Pesquisa Energética mostram que, em 2021, as fontes renováveis correspondiam a 44,7% da nossa matriz energética, contra 14,1% na média mundial de 2019. Só a quantidade de energia solar gerada quase dobrou de 2020 para 2022, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR).

Mas, para Amanda Ohara, parece que estamos caminhando na contramão do mundo. “Estamos indo cada vez mais na direção no gás natural. Aqui, não há planos claros para descarbonização, e isso nos deixa na mão dos interesses de indústrias de energia tradicionais”, comenta.

Ok, o Brasil tem potencial para investir em energias renováveis e se tornar a primeira economia carbono zero do mundo, mas você sabe o que são as energias renovávei? Ecoa responde:

O que são energias renováveis?

São aquelas geradas a partir de fluxos disponíveis na própria natureza, como o ciclo da água, a luz solar, os ventos e a biomassa. São renováveis porque têm um ritmo de reprodução muito mais rápido do que o das fontes de energia fósseis – carvão, petróleo, gás natural -, que levam milhares de anos para se sedimentarem na terra ou no fundo do mar.

Energia renovável é o mesmo que energia limpa?

Sim e não. Quando se fala que uma energia é “limpa”, é porque ela emite quantidades irrelevantes de gases do efeito estufa na atmosfera. No entanto, de acordo com Amanda Ohara, não podemos esquecer que não existem formas de gerar energia que não tenham algum impacto para a Terra ou para as pessoas.

A energia hidrelétrica, por exemplo, compreende o barramento de rios e, frequentemente, a remoção de comunidades ribeirinhas e indígenas de suas casas. Foi o que ocorreu com a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA), que retirou centenas de famílias da beira do Rio Xingu e alterou o fluxo das águas de tal modo que impossibilitou a reprodução de peixes e o ciclo da vida no local. A instalação de parques eólicos e solares e o cultivo de plantas para a geração de bioenergia também podem provocar o deslocamento forçado de comunidades locais e agricultores familiares.

Por que as energias renováveis importam para o combate às mudanças climáticas?

A substituição de fontes fósseis pelas renováveis, processo chamado de transição energética, precisa acontecer para termos alguma chance de manter o aquecimento da terra dentro dos 1.5ºC.

“Até o final do século, a gente já vai aumentar 1ºC [na temperatura do planeta], mas a gente pode aumentar 2ºC, 3ºC, até 4ºC. Temos até 2030 para reverter essa tendência”, diz Ricardo Baitelo, do IEMA. Os impactos desse aquecimento sem limites incluem desertificação, aumento do nível do mar, deslocamento de populações, ondas de calor, enchentes e mais.

No Brasil, ainda que as emissões se devam principalmente ao desmatamento e agropecuária, a transição energética não deixa de ser fundamental. “[Temos] um potencial que [nos] transcende, não só de ser a primeira economia carbono zero, como de ajudar países que não têm os recursos naturais e o território para fazer isso”, avalia Ricardo.

Além disso, segundo Amanda, se o desmatamento acabar, imediatamente vamos parar de sentir suas emissões, o que não acontece com o setor de energia. “Essas decisões [atuais] de contratação de termelétricas por 25 anos, a gente vai ter que viver com aquelas emissões por 25 anos”, exemplifica.

Por que precisamos investir na transição energética?

Além de impedir todos os impactos das mudanças climáticas, a transição energética surge como uma oportunidade para gerar empregos e reduzir desigualdades no Brasil. Dados da Absolar revelam que, desde 2012, mais de 475,5 mil novos empregos foram criados pelo setor, por exemplo.

“A energia solar distribuída, que você vê chegando nas comunidades isoladas da Amazônia e nas mais vulneráveis das grandes cidades, é uma forma de democratizar o acesso à energia limpa”, adiciona Amanda. “Mas isso é uma escolha política”.

Há um agravante, comenta Amanda: as mudanças climáticas impactam de maneira diferenciada as comunidades que têm menos renda. A especialista do iCS destaca ainda que as fontes renováveis são, hoje, as mais competitivas do mercado. “Investir em fontes renováveis significa investir em energia barata”, diz. Com a modernização do setor elétrico, isto pode se reverter em tarifas mais baratas para a população que mais precisa. Hoje, dados do próprio iCS mostram que 22% das pessoas já deixam de comprar alimentos básicos para pagar as contas de luz.

Como fazer essa transição energética?

Ricardo Baitelo e Amanda Ohara argumentam que é preciso acabar com os subsídios para a manutenção das indústrias de energia fóssil e pensar em uma transição justa, que capacite os trabalhadores para atuarem nas empresas de energia renovável.

A seguir, o Brasil precisa detalhar como pretende atingir seu compromisso de zerar suas emissões até 2050. E, nos âmbitos nacional e municipal, é preciso investir em redução fiscal e programas de incentivo às empresas de energia solar e eólica.

Amanda afirma que é importante que o Brasil se prepare para o contexto de incertezas no ciclo hidrológico: “Os reservatórios de água funcionam como grandes baterias. Você pode estocar a água e usar aquela energia à noite ou em momentos do ano de menor geração de energia hidrelétrica”, diz.