BSP 2018: Muito sol com algumas intempéries à frente

25/06/18 | São Paulo

Canal Energia 

Solar fotovoltaica no Brasil caminha para os 2 GW operacionais mirando o futuro por meio de aperfeiçoamentos nos mecanismos de leilões e da resolução 482 ao passo que o preço continua em queda.

Se a ‘moça do tempo’ de uma determinada emissora de televisão estivesse no Centro de Convenções Sul América nos dias 12 e 13 de junho passados, durante o Brasil Solar Power 2018, ela diria sem precisar olhar para as imagens de radares meteorológicos: a previsão é de um ano predominantemente ensolarado em todo o país, apesar de algumas tormentas isoladas a serem enfrentadas ao longo do período. Essa é uma analogia possível para o atual momento da solar fotovoltaica no país, tanto em geração centralizada quanto em distribuída. A fonte deverá alcançar seu segundo GW instalado ao final do ano, conforme projetado pela Associação Brasileira de EnergiaSolar Fotovoltaica.

O evento realizado em parceria entre o UBM/Grupo CanalEnergia e a ABSOLAR apresentou marcos importantes para o setor como o atingimento de 30 mil sistemas de micro e minigeração distribuída no país e de 1,5 GW de capacidade solar somando a GC e a GD. Além disso, o evento promoveu a divulgação de novas linhas de financiamento para a fonte, o lançamento do Atlas Solar da Bahia, o estudo da cadeia de valor da solar fotovoltaica pelo Sebrae nacional, entre outros anúncios que prometem turbinar a expansão da fonte pelo país, cujo potencial técnico já mapeado é de algo próximo a 28,5 TW para a GC e de 164 GW nos telhados.

Ainda há pontos que o setor vê como importantes para reforçar sua presença de longo prazo no país. Dois desses pontos são a sinalização de contratações por meio do planejamento e a realização de leilões no horizonte de seis anos, bem como, a necessidade de que haja mais recursos de financiamento para os sistemas solares. Contudo, já existe o reconhecimento de que o país vem avançando no que se refere à viabilização da fonte por aqui, refletindo sua expansão mundial. Atualmente a entidade está dedicada a desenvolver ações que promovam novos programas estaduais e municipais para a atração de investimentos na geração distribuída e outras que visam a redução de carga tributária, licenciamento ambiental mais ágil e de educação.

Independentemente disso, os resultados começam a aparecer. O mercado nacional começou a figurar nos rankings internacionais de energia solar fotovoltaica. O ano passado foi a primeira vez que o Brasil apareceu com destaque em termos de capacidade adicionada. Ficou em 10º lugar com 900 MW, mesmo volume que o Reino Unido. Mas, ainda está longe dessa posição quando o indicador é capacidade instalada total, nessa posição figura a Espanha com 5,6 GW.

Uma das formas defendidas para a contratação da solar no longo prazo seria a de viabilizar o chamado efeito portfólio, onde a fonte teria um papel importante como complementar a outras formas de geração como a hídrica, biomassa, térmica, armazenamento em baterias e mesmo a eólica. Em relação a esta última, que assim como ela própria não possui a chamada despachabilidade, a ideia seria a de aproveitar o fato de que os maiores potenciais estão localizados no mesmo local, mas em horários diferentes. A solar durante o dia e a eólica à noite. E com o benefício de estarem espalhadas geograficamente, uma ideia defendida pelo próprio presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Reive Barros, durante a edição 2018 do Enase.

Na avaliação das autoridades do setor elétrico que participaram do evento a solar é bem vista e vem galgando seu espaço na matriz elétrica nacional. Apesar disso, o problema conjuntural pelo qual vive o país é um dos pontos que fazem com que a demanda não deslanche.

O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Eduardo Azevedo, reforçou que o governo entende o papel importante da fonte no país. Tanto que no planejamento energético no termo de referência para o próximo PDE já consta o novo preço médio da fonte em um patamar abaixo de R$ 150/MWh para a sua próxima versão e que isso seria um driver para o planejamento de longo prazo.

Para Amílcar Guerreiro, diretor de Estudos de Energia Elétrica da EPE representando Barros, o grande limitador que o país tem hoje não é o fato de se privilegiar uma ou outra fonte. Mas sim a ausência de um mercado para que haja o consumo dessa energia contratada. “A recuperação da economia é a primeira barreira que temos de enfrentar, quando vemos o dado de crescimento da demanda em 2017 de 1,8% vemos que é um número pequeno se compararmos com um passado nem tão distante”, comentou ele.

Inclusive, destacou o Superintendente de Projetos de Geração da EPE, Gustavo Pires, uma queda na revisão dos custos das usinas solares pode fazer com que a previsão de expansão da contratação do Plano Decenal de Energia para a fonte quase dobre. Em sua apresentação ele mostrou que a queda nos custos de US$ 1.300/kW para US$ 800/kW levaria a um salto na previsão da expansão de 1 GW por ano para 1,9 GW já a partir de 2023.

Já o assistente de Diretoria do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Marcelo Prais, concorda que a solar fotovoltaica precisa ser considerada na formação da matriz elétrica nacional. Mas destacou que o país precisa aperfeiçoar o mecanismo de simulação das fontes variáveis até porque o Brasil deverá chegar em 2022 com cerca de 30% de sua matriz composta por fontes renováveis não controláveis.

“Já estamos em um nível avançado de previsão para a eólica enquanto para a solar apenas começando e isso apenas para a geração centralizada, que é aquela que se conecta na rede de supervisão e, portanto, está sob o nosso controle”, afirmou o executivo. “Nossa base de usinas hidrelétricas terão um papel importante no futuro, estamos próximos de uma mudança de paradigma de operação no sentido que esses reservatórios deverão oferecer um tipo de serviço diferente do que temos hoje”, apontou Prais.

Para o ONS, continuou ele, já é possível ver com mais precisão o volume de geração dessas duas fontes, ditas intermitentes, ante a hídrica, por exemplo, uma vez que no horizonte de mais longo prazo a variação no volume injetado é menor do que os volumes de chuvas. Entretanto, essa previsibilidade não é possível quando a análise é feita com base horária.

Outro problema, dessa vez, levantado pelo presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, Rui Altieri Silva, é a questão da exposição das distribuidoras ao mercado de curto prazo com o aumento das contratações por meio de CCEARs na modalidade disponibilidade. Normalmente esses contratos são feitos para as fontes não hidrelétricas nos leilões deenergia promovidos pela Aneel. Segundo o executivo, somente em 2017 a exposição das distribuidoras somaram R$ 23 bilhões por conta dessas fontes.

“Este é um mercado de diferenças apenas e não pode acumular um valor desse montante”, definiu. Com a alteração prevista para contratos de quantidade para a eólica no leilão A-6, avaliou, é possível que se tenha uma saída, pois a responsabilidade de repor essa energia deixa de ser da distribuidora e passa a ser do gerador.

Um dos principais pilares discutidos nesse ano no Brasil Solar Power foram as soluções de funding para novos projetos. Cerca de uma semana antes do BSP, o BNDES mudou as regras para o investimento em energia solar com alterações no Fundo Clima, a ser acessado por pessoas físicas para até 80% dos itens financiáveis. Para renda anual até R$ 90 milhões, o custo final é de 4,03% ao ano, para renda anual acima de R$ 90 milhões, o custo final é de 4,55% ao ano.

O recém empossado presidente do Conselho da ABSOLAR, Ronaldo Koloszuk, destacou em seu discurso que o setor apresenta oportunidades. Nesse sentido, destacou a viabilização de utilizar os fundos constitucionais como uma forma de acessar recursos para a implantação de novos sistemas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A linha foi aberta pelo governo por meio da MP 812 de 26 de dezembro de 2017 com taxas para as pessoas físicas que variam de 3,89% a 7,1% a.a. e para as pessoas jurídicas a variação parte da mesma base e vai até 6,5% a.a. a depender das condições e localização dos projetos. Segundo apontou o ministro da Integração Nacional, Antônio de Pádua, no primeiro dia do evento, os valores destinados à GD no Nordeste são de R$ 2,5 bilhões, no Norte é de R$ 574 milhões e no Centro-Oeste de R$ 50 milhões.

Essa medida de inclusão dos fundos começou ainda na gestão do ex-ministro da pasta, Helder Barbalho. Segundo ele, a adoção dos fundos para financiar os sistemas fazia todo sentido, pois os recursos são destinados a projetos que possuem viés de desenvolvimento para as regiões de influência da Sudam, Sudene e Sudeco (Amazônia, Nordeste e Centro Oeste, respectivamente). “Conseguimos convencer as superintendências dessas regiões que energia é uma operação econômica e está atrelada à missão dos fundos constitucionais, pois trazem o desenvolvimento econômico às suas regiões”, destacou o político paraense.

Na avaliação do gerente do Escritório de Promoção e Atração de Investimentos e Relacionamento Institucional do Banco do Nordeste, Alan Andrade Luz, há muitas oportunidades nos próximos anos para a geração distribuída. Ele lembra a experiência do banco no financiamento da fonte solar por meio da linha FNE Sol lançada pelo BNB ainda em 2016. Somente o BNB em micro e minigeração distribuída até abril de 2018 foram viabilizadas 458 operações e valores de R$ 76,7 milhões desde maio de 2016. Para fins de comparação no acumulado de 2017 e 2018 o valor total financiado em geração centralizada soma pouco mais de R$ 3 bilhões. Para este ano, o banco tem um montante de R$ 30 bilhões sendo 50% destinados a infraestrutura e boa fatia desse montante em energia, sendo GC e GD bem como em transmissão.

Geração Centralizada

Apontada como a forma de contratação mais adequada para que haja atratividade de novos players da cadeia produtiva ao país, um dos principais pleitos apresentados ao governo federal na edição 2018 do BSP foi a inclusão da fonte nos próximos leilões de energia nova A-6. A recomendação da entidade é de que para se alcançar o break even seriam necessários 500 MW médios ou algo próximo a 2 GW de capacidade instalada anualmente para proporcionar um crescimento sustentável de médio e longo prazo. Segundo Sauaia, da ABSOLAR, esse seria uma indicação importante para o setor e não simplesmente proibir a disputa. Ele compara o fato de a eólica poder entrar no A-4 e no A-6.

De acordo com o secretário Eduardo Azevedo, o problema não é a fonte e sim a falta de demanda porenergia. “Hoje o gargalo para ampliarmos os volumes nos leilões é a sobrecontratação. A solar não entrar no A-6 deve-se ao fato de que a demanda está abaixo do que prevíamos, por isso evitamos a contratação da eólica no A-4 e privilegiamos a solar no certame de abril, mas isso é conjuntural e não estrutural”, afirmou ele durante sua participação no evento.

Sauaia, por sua vez, contesta esse posicionamento ao destacar que os papeis poderiam ser invertidos nesse próximo leilão. Assim, justificou, indicaria ao mercado que o governo está compromissado em ter a solar no longo prazo no país. Além disso, destacou o executivo, em outra frente a entidade ainda busca por novos contratos para a fonte nos anos de 2019 e 2020 em função da ausência de contratações nos anos anteriores. Para 2023 e 2024 ainda há uma possibilidade por meio do A-4, mas, questionou, “será que depois do A-6 do ano passado e o deste ano teremos demanda para um A-4?”. E continua, “Nosso pleito é de isonomia entre as fontes para ser transparente e sem discriminação”.

Um destaque para a GC foi o leilão da Cemig, realizado no início de junho pela estatal mineira. A empresa não revelou o quanto adquiriu de solar fotovoltaica alegando razões estratégicas para não divulgar dados do certame que fechou ao total 431 MW médios de energia. Segundo Sauaia, essa oportunidade pode ser o início de uma tendência e mostra que o mercado tem interesse em se aproximar da comercialização de energia, mas que esse ponto ainda está afastado uma vez que esse certame, apesar de dedicado à venda da energia ao mercado livre, teve características de contratação de ACR, com PPAs de longo prazo que viabilizaram o financiamento da fonte.

Apesar de não dispor de dados específicos dessa disputa por restrições da Cemig, a tendência da solar é de uma convergência de preços com a eólica e a depender de casos pontuais em função da eficiência de projetos, a ultrapassagem dessa competitividade a favor da solar. “Em geral, no mundo toda a diferença de preços vem se reduzindo, está havendo de fato essa convergência de preços em diversos países e não seria a primeira vez que a solar estaria mais barata que a eólica, mas é prematuro falar se não temos os dados”, afirmou Sauaia ao comentar a declaração de Azevedo de que ele teve a informação de que a solar foi mais competitiva que a energia gerada pela força dos ventos.

Ele lembrou que desde 2014, quando houve o leilão para a fonte solar fotovoltaica em Pernambuco, o primeiro do país, os preços caíram de um patamar de US$ 88/MWh para algo próximo a US$ 35,25/MWh no último A-4 deste ano. Esse fator referencia que o país também vem passando por um período semelhante ao que se vê no mercado internacional a despeito das crises política e econômica dos últimos dois anos.

Geração Distribuída

Na micro e minigeração distribuída, a expectativa para os próximos passos é a questão da revisão da resolução 482 da Aneel que entrou em discussão por meio de consulta pública e que poderá vigorar a partir do final de 2019. A visão é de que há bastante espaço para o crescimento do segmento no país uma vez que há cera de 30 mil sistemas instalados ante um universo de cerca de 75 milhões de consumidores no país.

De acordo com Carlos Carvalho, assessor da Diretoria da Aneel, no foco das alterações para o futuro está alcançar a sustentabilidade da GD, o seu impacto no setor e a incorporação da evolução tecnológica para o mercado nacional. Em sua explanação, apontou itens como a avaliação de impacto regulatório, definição das alternativas de compensação e outras que estão na Nota Técnica da consulta. “Muito já foi feito, mas ainda há muito que fazer para a geração distribuída e a Aneel busca maior interação com a sociedade nesse processo”, afirmou ele.

Ainda no evento o MME revelou que estuda utilizar a fonte como forma de reduzir o valor da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) que faz parte da CDE. A ideia é a de utilizar sistemas solares fotovoltaicos em sistemas isolados que dependem do diesel para gerar energia e ainda para atender aos consumidores enquadrados na tarifa de baixa renda que são custos recorrentes aos demais consumidores por conta dos subsídios aplicados.

A ABSOLAR recebeu a informação justamente durante o painel que reuniu as autoridades do setor elétrico em um talk show. A entidade considera essa uma medida lógica do ponto de vista da racionalidade econômica, uma vez que o custo ocorre uma vez apenas e alivia este que é o maior encargo que incide sobre o setor, deixando esse custo de ser recorrente. Em 2018 o orçamento da CDE é de R$ 18,8 bilhões, aumento de 17,8% ante o ano anterior. Esses dois itens representam juntos R$ 7,7 bilhões, sendo R$ 5,3 bilhões para a geração térmica nos sistemas isolados e R$ 2,4 bilhões a tarifa social de baixa renda.

De acordo com Azevedo, do MME, a intenção é que parte da energia gerada pelos sistemas vá para os consumidores de baixa renda. “Nossa proposta é que em vez de pagar a conta, se permita outro modelo de fornecer energia para que a conta seja abatida através da GD”, explicou ele após sua participação no evento.

Cálculos do MME mostram que são gastos 50 kW/mês em média para cada consumidor de baixa renda. Por lei, o MME deve reduzir o valor gasto com a CDE, o que poderia ser feito com o uso da GD. Azevedo disse ainda que a ideia é de lançar em três meses uma chamada pública para avaliar o tema. Além da energia solar, o projeto também deve contemplar outras fontes renováveis. A intenção é que seja um feito um projeto piloto ainda esse ano e em caso de êxito, a partir do ano que vem aumentar a escala. O anúncio deverá ser feito no Plano Safra, em parceria com os ministérios da Agricultura e Casa Civil, além do Banco do Brasil. Ainda não há local escolhido para abrigar o piloto e também deverá ser feita uma chamada pública para as cooperativas rurais.

Os estados também estão com ações para aumentar a atratividade da solar por meio da GD em suas regiões. Agora que todos os estados aderiram ao convênio no. 16 do Confaz, a meta é a atualização dos termos desse acordo. A modalidade compartilhada, que pode impulsionar o número de conexões pelo país, só permite o mútuo até 1 MW, taxando os projetos de GD que excedam esse limite. O superintendente da Secretaria de Desenvolvimento Econômico da Bahia, Paulo Roberto Guimarães, quer antes de levar o tema ao Confaz que o assunto seja debatido entre os estados, de modo que sejam criadas regras para que apenas o pequeno consumidor seja beneficiado e não o grande.

Ele sugere que em condomínios de GD nenhum consumidor ultrapasse 500 kW ou 1 MW e na soma de todos não vá além de 5 MW. Guimarães alerta que a simples extinção do mútuo poderia trazer risco de queda na arrecadação das secretarias de Fazenda.

Essa posição coincide com a da superintendente de Energia da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos, Danusia Arantes, de Goiás. Ela concorda que o convênio 16/2015 precisa ser revisto e diz que há estudos que indicam que a modalidade compartilhada tem grande potencial no estado, mas que está estagnada por causa da limitação em 1 MW.

Outros convênios que estão em pauta no Confaz é o 114/2017, de São Paulo, que dá isenção no ICMS em saídas internas de equipamentos e componentes para geração de energia elétrica solar que vá para o atendimento do consumo de prédios próprios públicos estaduais. Outro convênio é o 101, que isenta de ICMS as operações com equipamentos e componentes para o aproveitamento das energias solar e eólica, como torres, pás e geradores fotovoltaicos.

Ao final de tudo, a meta de todos os segmentos na solar, de acordo com os consumidores que não podem acessar o ACL é, além do apelo ambiental, ajudar na redução de custos e atribuir previsibilidade nos custos deste insumo. Em muitos casos, destacou Rogério Jorge, Diretor de Relacionamento com o Cliente da AES Tietê, a redução pode chegar não raramente à casa de 20% a até 30%. Fator que ajuda na eficiência operacional e gestão de energia nas empresas que adotam a solução.