Captação de energia solar em fachadas de prédios e até no asfalto

18/06/18 | São Paulo

O Globo

A geração solar ainda tem pouca participação na matriz energética global, mas, de acordo com o último relatório da Agência Internacional de Energia, o segmento é o que mais adiciona capacidade de geração em todo o mundo. Para impulsionar ainda mais o setor, novas tecnologias estão sendo testadas para ampliar sua adoção em áreas urbanas, com soluções de maior apelo estético que os módulos fotovoltaicos tradicionais. Na China, o asfalto das estradas está sendo substituído por piso que capta a luz solar para gerar energia, enquanto o Brasil lidera a produção de um painel leve e flexível, que pode ser incorporado à arquitetura de forma tão simples quanto uma película de vidro.

— A ideia de se produzir energia nas cidades, próxima aos centros consumidores, evita perdas de carga por transmissão, torna o consumidor produtor da sua própria energia e conscientiza-o quanto ao seu consumo de energia — argumenta Mariana Padilha C. Lopes, doutoranda do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, ressaltando que o custo em relação às placas tradicionais ainda é um impedimento para a ampla adoção. — Com a maior aplicação das tecnologias nas cidades, o preço tende a ser reduzido.

O bilionário Elon Musk, considerado o gênio da indústria de tecnologia, é um dos que apostam nesta abordagem. Em março, a Tesla, uma das companhias fundadas por ele, começou a comercializar o Solar Roof, uma telha que funciona como painel solar. Disponível em quatro modelos, elas são idênticas às telhas comuns quando vistas da rua, mas produzem energia. O custo de instalação ainda é o dobro das placas tradicionais, mas mesmo assim a companhia enfrenta dificuldades para responder à demanda, com lista de espera que demora meses.

Na China, o trecho de um quilômetro de uma rodovia de pista dupla em Jinan, na província de Shandong, teve o asfalto substituído por placas solares recobertas por um polímero transparente, capaz de suportar o peso e o atrito de carros e caminhões. Com área de 5.875 metros quadrados, a estrada elétrica gera energia suficiente para abastecer 800 residências. A iniciativa da Shandong Pavenergy segue experimentos realizados pela francesa Colas em 25 estradas e estacionamentos na França, no Canadá, no Japão e nos EUA, mas ambas padecem do mesmo problema: o custo.

O recapeamento e a manutenção de uma estrada de asfalto custa cerca de US$ 120 o metro quadrado por década. O preço previsto para a estrada solar, considerando a produção em massa, fica entre US$ 310 e US$ 460, segundo cálculos do “New York Times”. Mesmo considerando a energia produzida, a tecnologia levaria mais de 15 anos para se pagar. Por outro lado, a aplicação dos painéis solares traz ares de modernidade, podendo integrar lâmpadas LED para sinalização e, no futuro, oferecer carregamento automático para as baterias de carros elétricos.

As estradas solares ainda têm a vantagem de utilizar áreas já construídas para a geração de energialimpa, ajudando no combate às emissões de gases-estufa. Essa capacidade de se adaptar ou substituir construções já existentes é o principal atrativo dos chamados fotovoltaicos orgânicos (OPV, na sigla em inglês). Francisco Veloso, diretor da área de Performance Materials da Merck, uma das companhias que produz o material, explica que o composto químico se parece com uma tinta, e é aplicado sobre painéis flexíveis da mesma forma que as impressões em gráficas.

— Por serem flexíveis, transparentes e moldáveis, há um leque de possibilidades para a aplicação desses painéis — comentou Veloso. — Eles podem ser incorporados à arquitetura, em fachadas de prédios e no mobiliário urbano, como em pontos de ônibus, por exemplo. E também têm um apelo para a mobilidade, podendo ser incorporados a uma mochila ou à capinha do celular.

Os painéis de OPV são impressos em bobinas, como jornais e revistas em gráficas. As folhas têm cerca de um milímetro de espessura, com peso aproximado de 500 gramas por metro quadrado. Sua principal vantagem é a facilidade de aplicação. As placas tradicionais são grossas e pesadas, com formatos retangulares padrão. Na instalação, devem estar viradas para o norte, com inclinação variando de acordo com a latitude.

— O OPV não precisa ficar direcionado diretamente para o feixe de luz — explicou Veloso. — Pode ser aplicado na horizontal, como na fachada de um prédio.

Esta foi a solução adotada pela Inovalli Real Estate, responsável pelo projeto e execução da nova sede da fabricante de softwares Totvs, em São Paulo. O edifício moderno, inaugurado ano passado no bairro da Casa Verde, tem 100 metros quadrados da fachada e o logo da companhia em vidro laminado com OPV. Rafael Cosentino, diretor executivo da Inovalli, revela que o projeto previa a instalação dos painéis em toda a fachada norte, cobrindo uma área de aproximadamente 4 mil metros quadrados, mas a disparada do dólar fez com que a ideia fosse abortada. Mesmo assim, trata-se de maior fachada do mundo com a tecnologia.

TECNOLOGIA REVOLUCIONÁRIA

— O OPV é revolucionário. Quando conheci a tecnologia, senti que precisava usá-la em algum projeto, e a oportunidade surgiu. Infelizmente, o componente custo ainda é muito grande — avaliou Cosentino. — Para o posicionamento trivial de placas solares, em cima do telhado, os painéis tradicionais são mais vantajosos. O OPV é para situações específicas. Mesmo assim, considero uma tecnologia disruptiva. É possível criar uma roupa com OPV, colocá-lo em cima de carros ou num guarda-sol para as pessoas carregarem o celular na praia.

Essa também é a opinião de Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). O OPV é uma tecnologia recente, que ainda está explorando possibilidades.

— É o mercado que vai dizer qual tecnologia é mais apropriada para determinada aplicação — afirmou, destacando que as vantagens dos módulos tradicionais são o preço e a eficiência, enquanto o OPV tem a leveza e a flexibilidade.

A mineira Sunew é uma das pioneiras no uso do OPV e possui o maior parque produtivo de todo o mundo, com capacidade para fabricar 400 mil metros quadrados por ano. Foi ela quem forneceu os painéis instalados no projeto da Inovalli. Defensor da tecnologia, Tiago Maranhão Alves, diretor executivo e fundador da companhia, prevê que a facilidade na aplicação poderá quebrar o paradigma de grandes usinas distantes de centros urbanos e transformar cada construção nas cidades numa geradora de energia.

— Hoje, o problema da Humanidade não é a falta de energia, já superamos a crise do petróleo. Mas a má notícia é que talvez a gente acabe antes do petróleo — disse Alves. — No futuro, vamos olhar para trás e questionar por que demoramos tanto para explorar a energia solar nas cidades. Uma das grandes vantagens desse tipo de geração é que o Sol está em todos os lugares.

Para o professor André Lucena, também do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, a geração de energia nos centros urbanos faz sentido, sobretudo, pelo corte nos custos de transmissão, um dos principais componentes do preço cobrado dos consumidores. De cada real pago na conta de luz, cerca de R$ 0,30 vão para a usina geradora, e o restante é dividido entre custos de transmissão, distribuição e impostos.

— O maior entrave para a instalação em larga escala dos painéis solares nas cidades é institucional. Para o consumidor, isso é vantajoso, mas como as distribuidoras lidariam com isso? — avaliou o especialista. — Em pequena escala, não faz diferença, mas, se muitos consumidores passarem a produzir sua própria energia, o negócio das distribuidoras vai mudar. E essas empresas tem custos para manter a rede funcionando.