20/09/22 | São Paulo
Reportagem publicada pelo Galileu
A 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 26), realizada entre outubro e novembro de 2021, reuniu líderes mundiais, representantes governamentais, empresas e ativistas em Glasgow, na Escócia, a fim de estabelecer ações para reduzir os efeitos das mudanças climáticas.
Onze meses após o evento, especialistas se encontraram para fornecer um documento que avalia os compromissos assumidos pelos governantes no Pacto de Glasgow. O The Beakthrough Agenda é um relatório anual de progresso liderado pela Agência Internacional de Energia (AIE), em parceria com Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA) e os Campeões de Alto Nível da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudança Climática.
Apresentado em coletiva de imprensa na última quarta-feira (14), o documento mediu o progresso das ações a partir de cinco setores: agricultura, indústria de aço, energia, transporte rodoviário e hidrogênio.
Segundo o relatório, juntos, estes setores representam hoje quase 60% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Por esse motivo, poderiam proporcionar a maior parte das reduções de emissões necessárias até 2030, uma contribuição significativa para limitar o aquecimento global a um máximo de 1,5°C.
Energia limpa
Na COP26, 45 países se comprometeram a tornar as tecnologias limpas uma opção mais acessível, entretanto, o setor de energia passa por dificuldades devido à Guerra na Ucrânia. “A Europa foi uma das principais regiões afetadas pela crise, pois ela é uma das principais importadoras da energia da Rússia, porém, os países de baixa renda sofrem ainda mais com as consequências”, disse Fatih Birol, diretor-executivo da AIE, no encontro.
Birol explica que a crise de energia gerou uma enorme dívida para a população de países emergentes, o que dificulta o investimento em energia limpa. Mesmo que essas regiões sejam as que mais precisam da transição, os países não possuem recursos suficientes. Isso os obriga a se sustentar por meio da agricultura e regredir para o uso de “energia suja”, como a queima de carvão.
“Existe uma fake news que diz que a crise de energia vem por conta da disseminação da energia limpa, mas nós não acreditamos nisso. Principalmente nesses tempos difíceis, a energia limpa é uma solução para as próximas crises de energia que podem surgir”, assinala o especialista.
Alguns países, como Japão, China, Índia e Estados Unidos, já iniciaram ações para transformação de energia. Porém, para que haja uma mudança global significativa e mais rápida, os profissionais destacam que é necessária uma colaboração internacional.
Essas ações não impactarão somente na mudança climática, como também poderão trazer uma maior segurança energética, além de economia, criação de empregos e retorno no PIB.
Segundo a rede de especialistas em energias renováveis REN21, os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás), principais fontes do aquecimento global, ainda representavam 80,2% do consumo de energia até o final de 2019.
“Qualquer coisa que não seja uma ação radical e imediata acabará eliminando a chance de permanecer no caminho dos 1,5°C”, disse Francesco La Camera, Diretor Geral da IRENA. “Em 2021, a Europa, os EUA e a China foram os que tiveram mais capacidade de energia renovável, mais isso é apenas 2% do mundo. Isso é inaceitável e essa equação precisa mudar. Precisamos trabalhar juntos para fazer a diferença”, alerta.
La Camera conta que está ciente do desafio que a mudança de energia fóssil para energia limpa traz e que leva tempo para isso ocorrer, Por esse motivo, são necessárias ações de curto, médio e longo prazo, principalmente em países emergentes.
Colaboração internacional
Ao compartilharem conhecimento e recursos tecnológicos as transições ocorrerão de forma mais equilibrada, uma vez que os países que conseguem ter mais fontes de energia limpa são os que possuem mais recursos.
“EUA, Índia, Japão e China estão conseguindo [utilizar fontes de energia renovável], porém, não compartilham isso com países emergentes. É necessária uma conexão internacional que irá ajudar, por exemplo, no compartilhamento de hidrogênio”, aponta Mahmoud Mohieldin, líder de alto nível da ONU em mudança climática.
Quanto à importância dessa energia de baixa emissão de carbono, Elizabeth Press, diretora de planejamento e apoio ao programa da IRENA, diz que, para alguns países, essa pode ser a única solução viável e a atualização de informações e tecnologias só será possível se houver uma ajuda mútua entre as nações.
Além da colaboração, é preciso comprometimento. Quando analisada a indústria do aço, os especialistas verificaram que a maior parte da produção vem de países mais pobres. Isso significa que são poucas as empresas que produzem o material com zero por cento de emissão de carbono.
Para que haja uma transição para combustíveis mais ecológicos, é necessário um investimento de, no mínimo, US$ 2 bilhões. “As empresas não querem investir todo esse dinheiro só para mudar a produção e ter o mesmo retorno que já possuem produzindo como fazem, mesmo que isso signifique emitir menos gases poluentes”, explica Simon Sharpe, diretor adjunto de campanhas políticas da COP26.
Uma solução, segundo os pesquisadores, seria que os governos implementassem leis que imponham a criação de políticas públicas que invistam na energia limpa. Além disso, é preciso acordos internacionais para segurança dessas medidas, para que também se certifique que as empresas que surgirem durante esse tempo deem apoio a essa iniciativa e sejam inseridas nesse projeto.
Carros elétricos
Quanto ao setor de transporte, os pesquisadores afirmam que, infelizmente, 95% da demanda de energia desse setor vem de combustíveis fósseis. Só a gasolina e o diesel juntos são responsáveis por 20% da emissão global de CO2. Porém, mesmo que em estágio inicial, a transição para tecnologia de baixo carbono está ocorrendo em algumas áreas.
“Quando você observa a energia limpa como um todo eu confesso que apenas algumas áreas são bem-sucedidas, como a dos carros elétricos. A venda desse produto cresce a cada dia principalmente na China”, comemora Timur Gül, Chefe da Divisão de Política de Tecnologia Energética da IEA. “Porém quando o assunto são transportes rodoviários, precisamos de mais progresso”, afirma.
Gül conta que levou cerca de uma década para que a venda de carros elétricos atingisse a marca de 10% do mercado global e a de ônibus elétricos, 14%. Ele revela que a meta é atingir pelo menos 60% de veículos de emissão zero até 2030 e, para aumentar isso, é preciso potencializar o comércio desses automóveis, construir locais para carregamentos de carros e desenvolver uma logística para reciclar os carros antigos.
Perspectivas futuras
A análise também fornece novas metas para 2030. Mesmo que a capacidade renovável tenha aumentado 130% na última década, as fontes não renováveis cresceram 24%. Segundo o documento, o mundo precisa fornecer capacidade renovável adicional de 630 gigawatts para energia solar e 390 gigawatts de energia eólica a cada ano até 2030, quatro vezes o aumento anual atual.
“Isto é tão essencial para o desenvolvimento quanto para evitar a perigosa mudança climática”. É preciso dar passos claros na COP27 para implementar o compromisso da Breakthrough Agenda com uma ação coletiva que torne as tecnologias limpas acessíveis e disponíveis a todos os que precisam delas em todo o mundo”, conclui Nigel Topping, membro de alto nível da ONU para Ação Climática.