Corrida para garantir subsídio gera disparada nos pedidos de registro de usina solar

23/09/21 | São Paulo

Reportagem publicada pela Folha de S.Paulo

Setor elétrico teme que enxurrada de projetos comprometa planejamento da transmissão no país

Uma corrida pelo registro de novos projetos de energias renováveis preocupa autoridades do setor elétrico brasileiro, que temem impactos no bolso do consumidor com o aumento dos custos de transmissão de eletricidade no país.

O mercado vê um movimento de especulação com os registros, que estariam sendo obtidos por empresas interessadas apenas em negociar a papelada no futuro, o que poderia dificultar o planejamento do sistema elétrico brasileiro.

Em 2021, o número de pedidos de informações sobre acesso à rede para conexão de novas usinas renováveis praticamente triplicou, chegando a uma média de 43 por mês, contra 15 no ano anterior. Ao todo, entre janeiro e a última sexta (17), foram 387 pedidos, contra 185 em todo o ano de 2020.

O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) diz que a grande maioria vem de projetos de geração solar, com destaque para as regiões norte de Minas Gerais e oeste e sul da Bahia, que experimentam grande volume de investimentos nesse segmento.

A aceleração dos pedidos é fruto da lei 14.120 de 2021, que garantiu benefícios a projetos de fontes renováveis que solicitarem outorga para operação até do dia 2 de março de 2022. A partir daí, os projetos começam a perder gradualmente esse desconto.

O setor compara o cenário a uma “corrida do ouro” em busca de garantir o benefício, que é um desconto de 50% sobre a tarifa de uso do sistema de transmissão. “Este fato aumentou o interesse para a obtenção de autorização pelos empreendedores que desejam construir novas usinas.”, diz o ONS.

O pedido de informação de acesso é parte do processo de outorga e tem o objetivo de avaliar a viabilidade de conexão de um projeto à rede de transmissão. Quando não há capacidade disponível, os acessos dependem de investimentos na ampliação da rede, o que é definido pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética).

A preocupação é que eventuais novas linhas de transmissão fiquem ociosas caso os projetos não saiam do papel, onerando desnecessariamente o consumidor. “O desafio é que a maioria são projetos visando ao mercado livre, o que traz um fator maior de incerteza para o planejamento”, diz o presidente da EPE, Thiago Barral.

Com a elevação das tarifas de energia e a busca por moldar uma imagem sustentável, é cada vez maior o número de empresas que busca investir em geração própria por meio de usinas renováveis. O movimento começou com eólicas, mas a solar vem ganhando espaço

Na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o número de requerimentos de outorga disparou, com grande maioria de projetos solares, diz a consultoria ePowerBay. Em junho, 777 projetos, com potência de cerca de 33 GW haviam dado.

Em setembro, quando a MP que deu origem à lei foi enviada ao Congresso, eram 165, com capacidade instalada de 7 GW (gigawatts). “Muitos desses projetos não vão de fato virar realidade. Tem potência muito grande e não tem muito espaço na transmissão”, diz Afonso Lugo, sócio da consultoria.

A EPE diz que tenta trabalhar com associações e empresas do setor para reduzir as incertezas desse processo sobre o planejamento de novas linhas de transmissão. A aceleração dos pedidos de outorga de usinas renováveis foi tema de um workshop entre os órgãos federais do setor elétrico e o mercado.

Gargalos no sistema de transmissão limitaram nos últimos anos a transferência de energia renovável do Nordeste, primeiro foco de crescimento deste segmento, para as outras regiões do país. Em determinados momentos, o ONS teve que cortar geração de usinas para liberar espaço na rede para a energia hídrica.

Na semana passada, o governo participou de cerimônia de início das operações de uma linha ligando a Bahia e Minas Gerais, planejada para reduzir estes gargalos ao acrescentar 1,3 mil MW (megawatts) em capacidade de exportação de energia do Nordeste.

“Hoje o Brasil está num processo de expansão da energia solar e eólica e o planejamento prevê essa expansão”, diz Rodrigo Sauaia, presidente da ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica),lembrando que uma série de investimentos em ampliação da rede já foram feitos.

“O que discutimos é como podemos melhor expandir a infraestrutura de transmissão que ajuda a transferir o excedente de energia e fortalece dispersão geográfica, mas sem investir excesso de dinheiro em linhas que fiquem ociosas.”

Sauaia frisa que o desconto no uso da rede foi fundamental para viabilizar a expansão da geração solar no Brasil. O setor, que representa cerca de 1,5% da produção de energia no país, tem experimentado evolução tanto em grandes usinas como em projetos de geração distribuída, com usinas de menor porte.

Também nesse último segmento, que inclui desde os painéis solares instalados em telhados a fazendas solares que vendem energia para diversos clientes, há no momento uma corrida por registros, já que o novo marco legal em debate no Congresso também estipula prazo para redução de descontos.

Também neste caso, o setor vê um movimento especulador com os registros, que se tornaram um negócio nas mãos de atravessadores para venda posterior a empresas que vão de fato investir. Em Minas Gerais, o preço chegaria a R$ 200 mil por MW (megawatt).

Até a semana passada, 211,6 mil novos consumidores aderiram ao modelo de geração própria, número já superior aos 211,1 mil registrados em todo o ano anterior e 72% acima do verificado em 2019. Também neste caso, a lei garantirá o benefício atual a projetos registrados em até 12 meses após sua promulgação.

Com o Maracanã ao fundo, no terreno que um dia abrigou as Cavalariças Imperiais, perto da Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio de Janeiro, hoje se constrói uma usina solar para abastecer o Museu Nacional (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress)

Segmento da energia solar aproveita busca por alternativas à escalada no preço da energia e pela crescente pressão por descarbonização das atividades econômicas (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress)

O projeto de geração de energia dentro de área urbana é um retrato do crescimento do mercado de energias renováveis no país (Foto: Zo Guimaraes//Folhapress)

Em 2020, o setor de energia solar recebeu investimentos de R$ 12,1 bilhões, alta de 50% em relação ao ano anterior (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress)

Investimentos em energias renováveis não sentiram a crise pandemia e devem ajudar país a retomar a atividade econômica (Foto: Zo Guimaraes/Folhapress)

As grandes hidrelétricas, como Furnas (foto), são as responsáveis pela produção de energia elétrica do país (60,26%); entre as usinas que estão em construção, esse o valor diminui: as novas hidrelétricas de grande porte correspondem a 12,68% da energia que será gerada pelas novas construções (Foto: Apu Gomes/Folhapress)

As usina térmicas, como a operada com gás natural em Uruguaiana (foto), entregam 25,86% da energia usada no país. Segundo a expectativa da Aneel, as termelétricas podem gerar 37,18% da energia produzida pelas novas usinas (Foto: /Reuters)

Os parque eólicos (na foto, em Fortaleza) geram 8,21% da energia brasileira. Entre as usinas em construção, as eólicas vão responder por 25,03% da potência (Foto: Jarbas Oliveira/Folhapress)

As termonucleares correspondem a 1,24% da energia gerada no país atualmente. Entre as usinas em construção, 13,64% da potência gerada virá das nucleares. Na foto, usina de Angra 2, no Rio de Janeiro (Foto: Caco Konzen/Folhapress)

Hoje, as usinas solares (como a do Piauí, na foto) respondem por apenas 0,82% da matriz energética. Segundo Aneel, 8,35% da energia que será gerada pelas usinas em construção virá dos campos com painéis fotovoltaica (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)