Energia: Exigência de conteúdo nacional para crédito do BNDES desperta interesse de fabricantes pelo país

29/01/15 | São Paulo

Subsídios para solar atraem fornecedores

Valor Econômico

Superada a competição acirrada do leilão de energia de reserva, que negociou 202,3 megawatts (MW médios) de fonte solar com desá- gio médio de 17,9% sobre o preço- teto de R$ 262 por megawatt-hora (MWh), os investidores costuram agora o financiamento dos empre- endimentos. O investimento esti- mado para pôr de pé as 31 usinas solares vencedoras, que somam 1.048 MW de capacidade instala- da, é da ordem de R$ 4 bilhões.

Os vencedores estão debruça- dos na definição das fontes de financiamento dos projetos e nas negociações com fornecedores. A expectativa, porém, é que o leilão estimule a montagem de placas fotovoltaicas no Brasil, já que a maior parte dos investidores pro- cura acesso ao crédito do BNDES, que só é aprovado mediante exi- gências de conteúdo nacional.

Uma das líderes mundiais no setor, a SunEdison vai erguer uma fábrica de montagem de placas no país. A fornecedora entrou co- mo parceira da Renova Energia, que vendeu 21,8 MW médios em quatro parques solares na Bahia por R$ 220,30 o MWh. A localida- de e os investimentos na unidade não foram definidos. “O projeto ainda está em fase preliminar, mas será um investimento signi- ficativo”, disse o diretor da SunE- dison no Brasil, Luiz Pita.

Segundo ele, o acordo com a Renova viabilizou a implantação da fábrica, e a expectativa é de novas encomendas. “Estamos abertos para fornecer equipamentos a outras companhias que queiram se enquadrar os requisitos no BN- DES”, disse, acrescentando que já está em negociações com outras companhias, sem citar nomes.

“Nossa estratégia toda foi ba- seada na nacionalização de equi- pamentos. Trabalhamos bastan- te na escolha do fornecedor para assegurar que podemos ter fi- nanciamento do BNDES”, disse o presidente da Renova Energia, Mathias Becker. Com o conteúdo nacional, a expectativa é que 65% dos investimentos de R$ 440 mi- lhões previstos nos parques se- jam financiados pelo banco.

A Fotowatio Renewables Ven- tures (FRV), controlada pelo fun- do de private equity internacio- nal Denham Capital, e que nego- ciou contratos com os deságios mais altos do leilão, está em ne- gociações com a SunEdison, além de outras importantes for- necedoras globais, como as chi- nesas Yingli e Jinko e a canadense Canadian Solar. A empresa co- mercializou energia de dois pro- jetos no Ceará ao preço de R$ 200,8, com deságio de 23,3%, e vendeu energia de outras três usinas na Bahia pelo preço de R$ 207,52 o MWh, com deságio de 20,8% sobre o preço-teto.

O Valor apurou que a postura mais agressiva no leilão fez parte da estratégia da FRV de entrar no mercado brasileiro, mesmo a custa de margens menores. Nos projetos na Bahia, a empresa conta com sinergia com a Rio Energy, que tam- bém pertence ao Denham Capital, e constrói um complexo eólico na mesma região. Dessa forma, as em- presas poderão compartilhar a in- fraestrutura de transmissão e conexão com o sistema elétrico.

A FRV ainda está negociando a contratação do fornecedor dos painéis fotovoltaicos. Estão na briga a SunEdison e outras im- portantes companhias do setor, . Ainda não se sabe qual será a en- genharia financeira que a com- panhia irá adotar. Devido ao seuporte global, a empresa poderá recorrer a recursos estrangeiros, além da linha de financiamento criada pelo BNDES.

Maior vencedora do leilão, a Solatio negociou 12 projetos de energia solar (com um total de 360 MW), sendo três em Minas Gerais e nove em São Paulo, de 30 MW de capacidade cada, e que demandarão investimentos to- tais de cerca de R$ 1,8 bilhão. O fi- nanciamento ainda está em estu- do, mas o diretor Pedro Vacquer afirma que “a ideia é poder usar o crédito do BNDES”. Com relação às usinas mineiras, a empresa se- rá sócia minoritária em um con- sórcio com a Canadian Solar.

Com relação aos nove projetos em São Paulo, a Solatio é minoritária em um consórcio liderado pela Cobra, empresa do grupo constru- tor espanhol ACS que já possui ex- periência no setor de transmissão de energia do Brasil. “O fornecedor para as usinas de São Paulo ainda não está definido”, disse Vacquer. Os empreendimentos têm prazo para entrar em operação em outu- bro de 2017, mas a ideia da Solatio é antecipar a entrada em operação de alguns dos projetos.

Controlada por acionistas es- panhóis e brasileiros, a companhia tem origem na empresa espanhola Técnicos Consultores, com experiência no setor de energia solar fotovoltaica na Es- panha. Segundo Vaquer, a Sola- tio tem ainda outros 930 MW de capacidade instalada de projetos fotovoltaicos habilitados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). A ideia é negociar esses projetos em leilões futuros.

Outra vencedora do leilão, a italiana Enel Green Power prevê investir US$ 420 milhões (cerca de R$ 1,066 bilhão) na constru- ção de sete projetos fotovoltaicos, que somam 240 MW de ca- pacidade instalada, na Bahia.

Já a brasileira Rio Alto Energia negociou um projeto fotovoltaico de 30 MW, em Coremas (PB), mas planeja desenvolver outro projeto ao lado, de 20 MW, destinado ao mercado livre. “O que precisáva- mos era de um contrato de longo prazo para sustentar nosso plano. Ter um ativo no mercado cativo [leilões] e um no livre é a melhor estratégia” diz Edmond Farhat, um dos sócio-diretores da Rio Alto.

A companhia busca agora novos parceiros para investir no em- preendimento, de preferência fundos de private equity interes- sados no setor. O investimento previsto no projeto de Coremas é de R$ 120 milhões a R$ 250 milhões, dependendo do porte (30 MW ou 50 MW) e do câmbio.

O sucesso no leilão já desperta o interesse também de outras fa- bricantes. De olho no potencial para o setor, a ABB, de equipa- mentos para energia e automa- ção, já cogita abrir uma linha de- dicada no Brasil, nos moldes que já utilizou no setor de óleo e gás para poder fornecer com conteú- do nacional para a Petrobras. “A se confirmar esse potencial nos próximos anos, essa é uma possibilidade bastante factível”, ressal- tou o presidente da subsidiária brasileira, Rafael Paniagua.

O futuro da indústria nacio- nal do setor, contudo, depende dos próximos leilões, ressalta Rodrigo Sauaia, presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR). “Para trazer a cadeia produtiva para o Brasil, teríamos que ter uma demanda de 1 GW por ano. O primeiro leilão foi um marco , mas é preciso que o governo reforce a confiança nessa fonte de maneira mais sólida”, afirma.