27/10/20 | São Paulo
Preocupação ambiental e queda nos custos acirra disputa entre gigantes e estreantes na geração solar, eólica e de outras fontes limpas
O avanço das fontes renováveis no Brasil tem acirrado a disputa entre novatos e gigantes do setor de energia. Apesar da pandemia, que levou a uma queda no consumo de eletricidade neste ano, projetos solares, eólicos e de biomassa entraram de vez na agenda de investimentos das companhias, já de olho em um aumento futuro da demanda.
Segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o segmento vai receber investimentos de R$ 50 bilhões a R$ 70 bilhões com a criação de parques renováveis próximos aos grandes centros de consumo nos próximos dez anos.
A maior preocupação com a agenda ambiental, a instabilidade dos preços da conta de luz e a queda de até 60% nos custos das energias solar e eólica desde 2015 impulsionam novos projetos.
Essa junção de fatores injeta ânimo em um novo perfil de empresa que se consolida no setor. O Grupo Gera, criado em 2016, já tem oito usinas com capacidade de geração de 10 megawatts.
E agora planeja investir R$ 200 milhões para ampliar sua capacidade para 55 megawatts até o fim de 2021. Um megawatt atende cerca de 300 casas, estimam especialistas. Na carteira da Gera há clientes como Vivo, Lojas Americanas e Ambev.
Segundo Ramon Oliveira, presidente do grupo, já estão em construção no Rio projetos de biogás e solar, que ficarão prontos em julho do ano que vem:
— Há projetos em todo o Brasil. Também temos planos na energia eólica. A pandemia reduziu o consumo, mas já está normalizando, e as empresas buscam mais eficiência.
Alta para o verão
A francesa GreenYellow também só cresce desde que iniciou suas atividades no Brasil, em 2014. Com usinas entre o Paraná e o Piauí, a meta da empresa, com clientes como Magalu, Oi e Claro, é ampliar sua capacidade de 30 megawatts para 130 megawatts até 2022 e levantar R$ 500 milhões em investimentos, como usinas solares no Estado do Rio.
— O pior lugar do Brasil é o melhor da Alemanha em geração solar. O setor cresce com projetos em diferentes tamanhos, desde usinas até telhados solares — disse Pierre Yves Mourgue, diretor-presidente da empresa.
Segundo Guilherme Susteras, presidente da Sun Mobi, o consumo já está reagindo com a abertura da economia. Ele ressalta a expectativa positiva para o verão, por causa do home office.
A empresa pretende aumentar sua capacidade de geração em dez vezes até o fim de 2021 e prevê investimentos de R$ 56 milhões:
— A demanda por projetos eficientes é crescente porque a tarifa elétrica no Brasil sofre com a instabilidade. Este ano não sobe porque teve a Covid.
A consultoria Safira acaba de colocar sua primeira usina solar, em Minas Gerais, em operação. A meta é investir R$ 300 milhões e aumentar o parque solar em dez vezes, em dois anos, para atender pessoas físicas.
— A energia produzida pelas usinas solares é injetada na rede elétrica da concessionária, gerando créditos que viram descontos na conta dos clientes — explica Mikio Kawai, diretor da Safira.
Lucas Araripe, presidente da Casa dos Ventos, destaca o avanço da venda de energia renovável no mercado livre, o que permite um ambiente mais competitivo, uma vez que as companhias podem optar por projetos mais baratos.
Ele cita como exemplos os casos da Anglo American e da Vulcabras, que já compraram a energia de projetos que só ficarão prontos em 2023:
— Temos em carteira um volume de projetos renováveis que soma dez vezes o que temos hoje.
Já o Grupo Enel tem em construção no Piauí um parque solar e eólico que, quando pronto, será conectado ao Sistema Interligado Nacional, que reúne empresas de produção e transmissão de energia elétrica no país.
Além disso, a companhia amplia a construção de projetos menores para atender empresas. A Enel Green Power é a maior geradora de energia solar e eólica do país, com cerca de 845 MW de capacidade instalada de solar em operação.
— A energia renovável está cada vez mais competitiva. Há muito potencial no Brasil, e o crescimento vai depender do aumento da demanda. Não faz mais sentido construir termoelétricas — diz Roberta Bonomi, responsável pela Enel Green Power no Brasil.
Caminho semelhante é feito pela europeia EDP Renováveis, que investe em diversos projetos. Com capacidade de 330 megawatts, a empresa vai quadruplicar sua atual capacidade.
Isso vai tornar o Brasil o terceiro maior mercado no mundo para a companhia, atrás dos Estados Unidos e da Espanha.
— Será um salto enorme. Claro que, com a pandemia, as empresas gastam mais tempo analisando os projetos. Mas a tendência é de crescimento, e os preços menores vistos nos últimos anos são algo muito positivo — comentou Duarte Bello, diretor de Operação para Europa e Brasil da empresa.
Um exemplo é a parceria da companhia de shoppings Multiplan com a EDP. Um complexo solar abastece 100% do Village Mall, na Zona Oeste do Rio, o que permitiu a redução de 49% no custo de energia em um ano, uma economia de R$ 5,9 milhões.
Caminho sem volta
Para Thiago Barral, presidente da EPE, as fontes renováveis serão o carro-chefe da próxima década, com o avanço de projetos de diferentes portes no ambiente regulado e no mercado livre, influenciado pela redução dos preços:
— As fontes renováveis têm um papel de complementar o nosso sistema, em paralelo com as hidrelétricas e as térmicas a gás, que, com o seu barateamento, tendem a ter maior uso no setor industrial.
A Voltalia planeja investir R$ 2,5 bilhões até 2023, aumentando sua capacidade eólica de 600 megawatts para 1,6 gigawatts em 2022. Robert Klein, presidente da empresa, destaca a necessidade de criação de usinas híbridas, com solar e eólica juntas:
— O crescimento é um caminho sem volta, mas o avanço vai depender da retomada econômica e de mudanças regulatórias.
O setor atrai inclusive o segmento financeiro. A corretora XP investe em energia renováveis há dois anos. Já são três fundos com participação em usinas eólicas e solares e mais de R$ 275 milhões aplicados.