06/03/21 | São Paulo
Estadão
Em meio aos desafios e incertezas trazidos pela pandemia de COVID-19, a energia solar fotovoltaica, em especial por meio da geração distribuída, se mostrou uma aliada valiosa da sociedade brasileira. Auxiliou famílias, pequenos negócios, produtores rurais e gestores públicos, ao reduzir seus gastos com energia elétrica, aliviando seus orçamentos e reduzindo despesas em meio a uma das maiores crises sanitárias e econômicas dos últimos 100 anos. Ao mesmo tempo, proporcionou amplos benefícios socioeconômicos, como novos investimentos, empregos e arrecadação aos cofres públicos brasileiros, representando um raio de esperança em meio à tempestade de ameaças trazidas pelo vírus.
Em 2020, a geração distribuída solar foi responsável por R$ 11 bilhões em investimentos ao Brasil, em pequenos e médios sistemas instalados em telhados, fachadas e pequenos terrenos. Com isso, gerou 74 mil novos empregos e mais renda a trabalhadores espalhados por todo o território nacional, em um dos momentos mais críticos do panorama econômico brasileiro. Estes investimentos garantiram mais de R$ 3,2 bilhões em impostos aos cofres da União, Estados e Municípios, contribuindo para a recuperação financeira da administração pública, fortemente impactada no período de pandemia.
É também neste cenário que o conceito de consumidor “cativo”, dependente exclusivamente dos monopólios de distribuição de energia elétrica, começa a ser desconstruído. com o apoio da geração distribuída solar, valorizando a forma democrática de geração e consumo de eletricidade, em benefício de toda a sociedade.
No entanto, paira sobre a geração distribuída uma grave ameaça: seu avanço incomoda grandes grupos econômicos, tradicionais e conservadores no setor elétrico. A razão é simples e financeira: ao resgatar os consumidores do papel passivo de meros compradores e torná-los produtores ativos de sua própria energia renovável e barata, a geração distribuída ameaça as receitas e os lucros das distribuidoras.
Em resposta a este avanço tecnológico e organizadas em um forte lobby de entidades representativas, gigantes da energia têm pressionado autoridades para frear o crescimento da geração distribuída e proteger seus interesses financeiros. Os ataques foram focados na bem-sucedida compensação de créditos de energia elétrica da microgeração e minigeração distribuída. O discurso afirma que a geração distribuída deslocaria custos aos consumidores que não possuem geração distribuída, porém, será que os fatos procedem?
Na Califórnia (EUA), por exemplo, os investimentos da população em geração distribuída e eficiência energética trouxeram uma economia de US$ 2,6 bilhões aos californianos. Graças a estes investimentos diretos dos consumidores, o operador do sistema elétrico evitou 20 projetos de transmissão e 21 projetos de reforço de rede, gastos estes que seriam rateados entre todos os consumidores. Eles seriam necessários, caso a energia elétrica não fosse gerada localmente pelos californianos e tivesse de ser trazida de fora das cidades para atender os consumidores. No entanto, a geração distribuída solar instalada pelos consumidores supriu grande parte da nova demanda por eletricidade e reduziu estes custos para todos os consumidores, mesmo os que não tinham sistemas solares em casa.
Da mesma forma, aqui no Brasil, a geração distribuída solar fotovoltaica ajuda a aliviar a operação da matriz elétrica nacional, com economia da preciosa água dos reservatórios das hidrelétricas e com redução do uso de termelétricas, mais caras e poluentes. Como resultado, diminui os gastos mesmo daqueles que nunca investiram nessa tecnologia, em um claro exemplo de ganha-ganha. Ela também posterga investimentos em novas usinas de geração, redes de transmissão e infraestrutura de distribuição, reduz custos de manutenção e perdas elétricas de transmissão e distribuição, melhorando a segurança de suprimento e a operação do sistema elétrico para todos.
A partir da contabilização destes diferentes atributos, ignorados nas contas apresentadas pelas distribuidoras e mesmo por algumas instâncias de governo, a ABSOLAR projeta que a geração distribuída solar fotovoltaica trará mais de R$ 13,3 bilhões em benefícios líquidos para os consumidores do setor elétrico até 2035, já descontados todos os custos.
Por isso, o Brasil deve fazer as contas completas para construir um marco legal transparente, estável, previsível e justo, que desfaça a insegurança jurídica que paira sobre a geração distribuída solar e reforce a confiança da sociedade em um futuro com mais liberdade, prosperidade e sustentabilidade.
A boa notícia é que, em 24 de dezembro de 2020, ao publicar sua Resolução nº 15, o Conselho Nacional Política Energética (CNPE), órgão máximo de políticas públicas no setor de energia composto por dez ministérios, além de representantes dos Estados, das universidades e da sociedade civil, estabeleceu as bases para a construção de uma solução alinhada aos interesses da sociedade brasileira.
No documento, o CNPE determinou cinco pilares para o estabelecimento de políticas públicas à micro e minigeração distribuída: (i) o acesso não discriminatório do consumidor às redes das distribuidoras para fins de conexão de geração distribuída; (ii) a segurança jurídica e regulatória, com prazos para a manutenção dos incentivos dos atuais consumidores que possuem o sistema; (iii) a alocação dos custos de uso da rede e dos encargos previstos na legislação do setor elétrico, considerando os benefícios da micro e minigeração distribuída; (iv) a transparência e previsibilidade nos processos de elaboração, implementação e monitoramento da política pública, com definição de agenda e prazos de revisão das regras para o modelo; e (v) a gradualidade na transição das normativas, com estabelecimento de estágios intermediários para o aprimoramento das regras para a modalidade.
A medida representou um passo histórico na política energética brasileira, com o reconhecimento explícito de que os benefícios da geração distribuída devem ser levados em conta ao se definir qualquer política pública sobre o tema. A decisão do CNPE se mostrou sintonizada aos anseios da sociedade brasileira e abre caminho para uma nova etapa pela construção, pelo Congresso Nacional, de um marco legal adequado para democratizar cada vez mais a geração distribuída no País.
Nove em cada dez brasileiros quer gerar energia renovável em sua residência, conforme atesta pesquisa do Ibope Inteligência de 2020, ou seja, os brasileiros reconhecem o valor e os benefícios econômicos, sociais e ambientais da geração distribuída para a nossa sociedade.
Por isso, é dever dos representantes da sociedade no Congresso Nacional, Deputados Federais e Senadores, trabalhar em sintonia com os anseios da sociedade brasileira e não defender agentes específicos interessados em proteger suas receitas. É preciso garantir, em lei, o direito do consumidor de gerar e utilizar a própria energia limpa e renovável, com autonomia, independência e com segurança jurídica e previsibilidade regulatória.
A recuperação econômica sustentável do Brasil será potencializada e fortalecida pela geração distribuída solar fotovoltaica. A tecnologia é parte estratégica da solução para o desenvolvimento econômico, social e ambiental, contribuindo para diversificar a matriz elétrica, gerando milhares de empregos, reduzindo a queima de combustíveis fósseis, ampliando a liberdade do consumidor, estimulando o setor produtivo, reduzindo ineficiências e trazendo economia para os cidadãos, as empresas e os governos. O Brasil tem tudo a ganhar com o avanço da geração distribuída renovável em nosso País.
*Bárbara Rubim é vice-presidente para Geração Distribuída da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR)
*Rodrigo Sauaia é presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), mestre em Energias Renováveis pela Loughborough University (Reino Unido) e doutor em Engenharia e Tecnologia de Materiais pela PUCRS, com colaboração internacional em energia solar fotovoltaica no Fraunhofer ISE (Alemanha)