Especial: Após regulamentação, gigantes da geração renovável buscam implantar parques híbridos

02/12/21 | São Paulo

Reportagem publicada pela Agência Estado

 As principais empresas de geração de energia renovável querem tirar da gaveta seus projetos de implantar parques híbridos nos próximos anos, mirando uma economia que pode chegar a 30% dos custos de operação e manutenção, além das sinergias no uso da infraestrutura de transmissão e do terreno. O destravamento desses investimentos deu-se nesta semana, após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovar uma regulamentação para esse tipo de projeto.

Pelo texto aprovado, o conjunto híbrido passará a contratar o uso da rede de transmissão dentro de uma faixa que varia entre a soma das potências elétricas ativas nominais da tecnologia de geração de maior participação na usina e a soma das potências elétricas ativas nominais de todas as tecnologias de geração do parque. Além disso, a nova regra não faz distinção do tipo de tecnologia a ser utilizada pelos empreendedores.

Segundo o pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Roberto Brandão, a medida abre caminho para que as empresas que já tinham iniciativas embrionárias de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nesta área avancem em projetos maiores daqui para frente. “São arranjos que do ponto de vista técnico são fáceis de fazer, não tem nada de inovador, mas que do ponto de vista regulatório tinha uma série de detalhes que precisavam ser ajustados para tornar esse modelo possível”.

A movimentação deve acontecer principalmente no segmento de geração eólica, no qual nomes como Votorantim Energia, Omega Geração e Casa dos Ventos, por exemplo, já começam a instalar placas solares próximas aos aerogeradores. “Nossa intenção é continuar avançando e explorando esse modelo. Onde pudermos construir no modelo híbrido, vamos investir”, afirmou o presidente da Votorantim Energia, Fabio Zanfelice.

Segundo ele, os parques híbridos devem aumentar em aproximadamente um terço a capacidade de geração das usinas eólicas da empresa, podendo contribuir com o aproveitamento da capacidade ociosa da infraestrutura de transmissão no período da tarde, quando a irradiação solar é mais forte, beneficiando a geração fotovoltaica, enquanto os ventos têm menor intensidade, o que reduz a capacidade de produção da eólica. A expectativa da Votorantim Energia é sair dos atuais 600 megawatts (MW) em capacidade instalada para 1 gigawatt (GW) até novembro de 2022. Zanfelice explica que seria possível construir pelo menos mais 300 megawatts-pico (MWp) em geração solar fotovoltaica neste tipo de projeto.

Recentemente, a empresa já deu o primeiro passo nessa direção e começou a desenvolver a usina solar fotovoltaica Sol do Piauí, com capacidade para produzir 83 MWp, no município de Currais Novos, no Piauí. Ela será implantada junto ao Complexo Eólico Ventos de São Vicente 8 a 14, de 205 MW.

Na Omega Geração, a construção de usinas híbridas estava em avaliação, mas os projetos estavam em ponto morto aguardando a regulamentação da Aneel, de acordo com o diretor de Inovação, Produtos e Regulatório da empresa, Bernardo Bezerra. Agora, com a definição da questão regulatória, a empresa poderá “aproveitar a complementariedade das usinas eólicas e solares, otimizando os custos de transmissão do sistema. Será possível, por exemplo, aproveitar o potencial das regiões onde há muito vento durante a noite e sol durante o dia”.

Em entrevista recente ao Energia em Debate, o diretor-geral de novos negócios da Casa dos Ventos, Lucas Araripe, disse que a construção de parques híbridos faz parte da estratégia da companhia para aumentar a constância da produção nas usinas e mitigar riscos da intermitência das usinas eólicas que têm seu melhor momento de produção à noite, sobretudo com a entrada do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) horário. “Tanto para Rio do Vento, quanto para Babilônia, existe espaço para desenvolver planta solar muito competitiva”.

Araripe ressaltou que a empresa já avalia a construção de 400 MWp em usinas solares tanto nos projetos já implantados, quanto naqueles que ainda serão construídos. “A gente acha que a hibridização torna o projeto interessante e reduz riscos por ter geração mais flat ao longo do dia… nossa estratégia passa por solar e plantas híbridas”.

As novas regras também foram bem recebidas pelas associações do setor. Para a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), a regulamentação é um avanço para o setor de energias renováveis e permitirá trabalhar a complementariedade das fontes de forma eficiente.

Já Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) considera a medida positiva porque permite a otimização da geração e reduz o custo. “Era uma demanda antiga dos agentes investidores e uma tendência mundial”, disse o vice-presidente do conselho da ABSOLAR, Márcio Trannin.

Outras fontes

Para Brandão, a regulamentação aprovada pela Aneel abre espaço também para estratégias de geração híbrida em outras modalidades de geração, como a instalação de placas solares em reservatórios de hidrelétricas ou a instalação desses painéis em usinas térmicas na região Norte.

Ele mencionou que o uso de diferentes modalidades de geração compartilhando uma mesma infraestrutura de escoamento não é uma novidade no setor elétrico brasileiro, que além de algumas iniciativas de P&D, já tem termelétricas a diesel que utilizam placas solares ou turbinas eólicas para reduzir a queima de combustível fóssil. “Ajuda a reduzir o consumo de óleo e permite ao empreendedor gerar energia de uma forma mais distribuída ao longo do dia”.

Em relação à implantação de painéis fotovoltaicos em reservatórios de hidrelétricas, o pesquisador do Gesel lembrou que esses projetos são úteis especialmente em momentos do ano em que os volumes de água armazenados são menores, ou quando o volume de chuvas do período úmido é insuficiente para recuperar as represas. “São áreas que já pertencem ao setor elétrico que podem ser usadas para fazer outras gerações. Neste caso tem o custo de instalação da usina flutuante, mas não da terra. Só em Sobradinho, por exemplo, caberia [em termos de capacidade] mais do que a Chesf tem de geração hídrica convencional”.