21/05/21 | São Paulo
Reportagem publicada no Estadão
Entre setembro passado e março deste ano, número de pedidos saltou para 1.886 empreendimentos, o dobro do total registrado nos 6 meses anteriores; desconto de 50% nas tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição acaba em março de 2022
O fim dos subsídios para a energia eólica e solar, previsto para março de 2022, tem provocado uma corrida para aprovar novos projetos dentro do prazo e manter os descontos. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que o número de pedidos de outorga após a publicação da Medida Provisória 998, em setembro do ano passado, mais que dobrou em relação ao período anterior.
Entre janeiro e agosto de 2020, antes da MP, foram feitos pedidos para 931 projetos, equivalentes a 41 mil megawatts (MW). A partir de setembro até março deste ano, o número saltou para 1.886 empreendimentos, com capacidade para 85 mil MW. Segundo a Aneel, esse volume de energia é praticamente a mesma potência dos pedidos emitidos entre os anos de 2015 e 2019, de 90 mil MW. No caso das eólicas, o número de projetos aumentou 184% e o de solares, 76%, com capacidade de 27 mil MW e 57 mil MW, respectivamente.
Os subsídios que vão acabar no ano que vem foram criados em 2006 para impulsionar e incentivar o desenvolvimento das fontes renováveis. Trata-se de um desconto de 50% nas tarifas de uso do sistema de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd), bancado pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e repassado para todos os brasileiros. A partir de março de 2022, os novos projetos autorizados não terão mais esse desconto, conforme a MP transformada na Lei 14.120 neste ano.
“Não acredito que a mudança vá desestimular novos investimentos. O que vai ocorrer é que a régua estará em outro patamar”, diz a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum. Além disso, diz ela, desde 2013 os leilões são feitos por fonte de energia. “Em tese, esse modelo de contratação já elimina a necessidade de subsídio.”
Nos últimos dez anos, a energia eólica teve um crescimento exponencial no Brasil. Saiu de 1.524 megawatt (MW) para 18.620 MW neste ano. O avanço é resultado de investimentos bilionários em novos parques eólicos espalhados pelo País, sobretudo no Nordeste. Entre 2011 e 2020, foram injetados no setor US$ 35,8 bilhões (R$ 189 bilhões pelo dólar de ontem). E o número não deve parar por aí.
Sem considerar os pedidos de outorga na Aneel, há cerca de R$ 24 bilhões em projetos eólicos em construção e outros R$ 48,5 bilhões já contratados. Ou seja, são pelo menos R$ 72 bilhões de investimentos nos próximos anos. “A eólica teve um forte crescimento nos últimos dez anos, mas a expansão nos próximos dez anos será ainda mais expressiva”, diz Elbia, destacando que hoje a fonte já representa 10,6% da matriz elétrica brasileira.
No caso da energia solar (1,8% da matriz), as previsões vão no mesmo caminho. A potência instalada – que inclui grandes usinas e a microgeração – subiu de 93 MW, em 2016, para 8.813 MW em abril deste ano, resultado de R$ 46 bilhões de investimentos. Só para este ano, a previsão da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) é que o setor receba cerca de R$ 22 bilhões de novos investimentos.
Sobre o fim dos subsídios, o presidente da associação, Rodrigo Sauaia, afirma que ainda não é possível saber se o apetite dos investidores continuará no mesmo nível de agora. “Isso porque dependerá de regulamentação da lei e de alguns benefícios criados para as fontes renováveis”, diz ele, referindo-se aos ganhos ambientais. Ele destaca ainda que o setor aguarda votação de um projeto de lei que vai definir sobre cobranças na geração de quem tem painéis solares em casa, indústrias ou residências. “Dependendo do que for definido, nesse caso pode, sim, comprometer os investimentos.”
O professor da UFRJ Nivalde de Castro, coordenador geral do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), discorda. Para ele, não faz o menor sentindo manter esse subsídio cruzado. “Se quem coloca o painel em casa não paga pelo uso da rede, os demais consumidores terão de pagar por ele.” Para Castro, as fontes eólicas e solares continuarão atraindo investidores, já que são as fontes mais competitivas do mercado.
Hoje, a eólica e a solar estão entre as fontes mais baratas do País. No primeiro leilão realizado em 2009, o MWh da eólica custava R$ 278,9. Com o passar dos anos, o amadurecimento da indústria no País e novas tecnologias, o preço despencou para R$ 107,1 o MWh, valor do último leilão realizado em 2019. No caso da solar, saiu de US$ 103 o MWh (R$ 575 pelo dólar de ontem) para US$ 20,33 (R$ 107).
Mas há outro fator ainda mais importante para a expectativa de crescimento dessas fontes de energia no País: a escalada da importância do ESG (sigla em inglês para ações nas áreas ambiental, social e de governança). “Há uma forte tendência para contratar energia verde e isso estimula contratos bilaterais”, afirma o professor o coordenador geral do Gesel. O movimento tem atraído até grupos da área de óleo e gás.
Modelo híbrido
Para especialistas, a tendência é que a expansão das eólicas ocorra por meio de novos modelos. A sócia da KPMG Cristiane Azevedo conta que, atualmente, os investidores têm se interessado por modelos híbridos que envolvem a energia eólica e solar num mesmo espaço. “Esse tipo de projeto dá uma eficiência maior, já que produz tanto durante o dia como à noite.”
A presidente da Abeeólica confirma a tendência e diz que a Aneel colocou em consulta pública nova regulamentação para esse tipo de projeto. Hoje, explica ela, cada fonte exige uma rede de transmissão específica. Com a regulamentação, poderia usar a mesma, promovendo ganhos de escala e escopo.
Parque eólico na praia de Tourinhos, em São Miguel do Gostoso, no Rio Grande do Norte: modelos híbridos devem ganhar mais espaço. (Foto: JF Diorio/Estadão)