Geradores renováveis do Nordeste pedem ressarcimento por cortes de geração após apagão

29/09/23 | São Paulo

Reportagem publicada em Época Negócios

Os “curtailments”, cortes de geração das usinas que geralmente ocorrem por problemas em equipamentos ou gargalos de escoamento nas linhas de transmissão, aumentaram significativamente desde o apagão

Geradores de energia eólica e solar vêm tendo prejuízos com cortes expressivos da produção de seus parques do Nordeste devido à operação mais conservadora do sistema elétrico brasileiro após o apagão de 15 de agosto, o que já motiva pedidos de ressarcimento dessas perdas.

Os “curtailments”, cortes de geração das usinas que geralmente ocorrem por problemas em equipamentos ou gargalos de escoamento nas linhas de transmissão, aumentaram significativamente desde o apagão, quando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) reduziu por segurança a quantidade de energia gerada no Nordeste enviada para o restante do país.

O órgão elevou nesta semana os limites de intercâmbio de energia do Nordeste de 7 para 10,8 GW — ainda abaixo dos níveis anteriores, que variavam de 13 a 15 GW –, mas uma normalização só deve ocorrer em julho de 2024.

Cálculos da associação ABEEólica com base em 15 conjuntos eólicos do Nordeste apontam cortes de geração de mais de 40% em setembro, justamente em meio à “safra dos ventos”, período em que historicamente são verificadas as melhores condições para geração das eólicas.Entre os parques considerados no levantamento da entidade, estão o complexo Santo Agostinho, da Engie Brasil Energia, e o Serra do Mel, da Echoenergia, controlada pela Equatorial Energia — ambos localizados no Rio Grande do Norte.

Outra empresa com operações no Estado potiguar afetada é a geradora francesa Voltalia, que anunciou nesta semana uma redução de sua projeção para o Ebitda de 2023, citando “impactos do apagão geral” em agosto sobre suas operações eólicas no Brasil.Mas os cortes têm afetado praticamente todo o Nordeste, com o ONS fazendo uma espécie de “rodízio” no escoamento da energia, aponta Fernando Elias, presidente do conselho de administração da ABEEólica.

“O ONS restringiu o intercâmbio de 13 GW para 7 GW, imagina que 6 GW que estavam ali disponíveis foram cortados, de diferentes usinas e regiões… Em determinado dia corta-se mais usinas da Bahia, em outro, mais do Rio Grande do Norte”.

Procuradas, a Equatorial e Voltalia disseram que não iriam comentar, enquanto a Engie não retornou imediatamente.A estimativa é que essa situação para as eólicas já tenha resultado em prejuízos da ordem de 75 milhões de reais, que estão sendo integralmente arcados pelos geradores, afirmou o executivo da ABEEólica.

O setor de energia solar centralizada, que envolve os grandes complexos de geração fotovoltaica monitorados pelo ONS, também enfrenta situação semelhante. A associação Absolar não tem uma estimativa fechada da magnitude dos cortes para a fonte, mas aponta que em alguns casos já foram registrados “curtailments” de 15% a 30% desde o apagão.

“Os cortes aumentaram muito e ficaram em patamar insustentável… A mensagem é que não dá mais para suportar essa situação, já falamos isso para o ONS e para a Aneel”, afirmou Carlos Dornellas, diretor técnico e regulatório da Absolar.

O setor de renováveis já convive com esses cortes, que são de certa forma naturais na operação do dia a dia do ONS, que pode priorizar uma ou outra fonte a depender do volume de carga a ser atendida, do preço e dos requisitos necessários no momento.

No entanto, os cortes de geração eólica e solar vêm aumentando progressivamente nos últimos anos também por uma questão estrutural do Brasil, que passa por um “boom” de oferta renovável e capacidade limitada de escoamento dessa energia, concentrada principalmente no Nordeste, pela rede de transmissão.

Há projetos bilionários de expansão de linhas de transmissão, nos próximos anos, que prometem amenizar os gargalos, à medida a que o parque gerador também cresce.

SITUAÇÃO EXTRAORDINÁRIA

Com a piora acentuada do problema após o apagão, as associações de renováveis estão pleiteando o ressarcimento integral, aos geradores, dos custos incorridos com a operação mais conservadora do ONS.

Quando entregam menos energia ao sistema do que o previsto contratualmente, os geradores incorrem em penalidades e podem ter que comprar energia no mercado para fazer frente às obrigações. Além disso, os cortes de geração impactam no cálculo de atualização da garantia física dos projetos, isto é, de quanta energia as usinas estão autorizadas a comercializar.

Já existe uma regulamentação da agência reguladora Aneel para reembolso aos geradores em razão dos cortes das usinas, mas, segundo as entidades, a situação enfrentada após o apagão é “extraordinária” e, mesmo não estando prevista nas regras atuais, deveria ser passível de ressarcimento.

Na semana passada, a ABEEólica enviou requerimento à Aneel pedindo “providências urgentes” sobre a situação pós-apagão e a reabertura de discussões sobre as regras de ressarcimento, que mesmo antes já eram consideradas insuficientes.”Os ressarcimentos previstos, pelos cálculos, têm dado em 5%, é um valor extremamente baixo. Isso pode levar inclusive a uma inviabilidade econômico-financeira dos empreendimentos”, afirmou Dornellas.

Procurada, a Aneel não retornou imediatamente ao pedido de comentário.Esses ressarcimentos ocorrem via encargos custeados pelos consumidores na conta de luz.”Não fizemos essa avaliação quantitativa (de qual seria o impacto aos consumidores).

Mas temos a percepção que este talvez seja o principal impeditivo que não aparece nas negociações (para rever as regras)… Independentemente disso, entendemos que o prejuízo para o país em termos de fontes renováveis é muito maior se não tiver um equacionamento da solução”, afirmou o executivo da Absolar.