28/02/22 | São Paulo
Reportagem publicada pela CNN Brasil
Mesmo com impulsionamento, meta da COP26 de zerar as emissões de gases estufa até 2050 não seria alcançada
Por conta da dependência de países europeus do gás russo, o atual cenário de guerra entre a Ucrânia e a Rússia pode, segundo especialistas, acelerar o processo de transição para fontes de energia limpa, como eólica ou solar.
A Rússia responde por 40% do gás importado por nações europeias. Esse produto já estava com a oferta insuficiente e preços em alta. Além disso, os gasodutos que levam o combustível até a Europa passam justamente pelo território ucraniano.
Nesta semana, a chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco quer “sair da dependência do gás russo e seguir para a energia renovável no futuro”, uma transição definida como “estratégia para a independência” europeia frente à Rússia, declarou.
Para o presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), Rodrigo Sauaia, a forte dependência dos países europeus do gás natural da Rússia ficou evidente com a guerra e isso pode acelerar a busca desses países por outras fontes de energia. A Europa usa esse combustível para finalidades como geração de energia elétrica em processos industriais e aquecimento no inverno.
“Europeus querem reduzir esta dependência e ganhar mais autonomia do gás russo. Alemanha manteve diretriz estabelecida no governo da Angela Merkel de descontinuar suas usinas nucleares até 2022, o que também fortalece a transição renovável no país, líder na Europa. Mas o agravamento das tensões com a Rússia, principal fornecedor de gás natural para os países europeus, também pode catalisar e acelerar esta transição, em busca por mais independência e autonomia”, afirmou Sauaia.
Para o especialista em crise energética da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mauricio Tolmasquin, o problema para o continente europeu fica mais evidente quando há inverno na região. Nestes momentos, segundo ele, fica mais evidente a necessidade dessas nações se voltarem para as fontes renováveis.
“Embora a importação de GNL esteja ajudando, a Europa terá dificuldades para mantê-las nos níveis atuais com o clima frio. A Ásia também tem necessidade desse combustível, o que aumenta a demanda. No médio prazo, regras que obriguem as concessionárias a encher as instalações de armazenamento durante o verão para evitar escassez no inverno, e aumento dos investimentos em renováveis são caminhos para redução da dependência do gás russo”, disse o especialista.
Segundo o professor de planejamento energético da UFRJ, Diego Malagueta, o impacto da guerra no processo de adesão da energia limpa na Europa depende, principalmente, do tempo de duração da guerra.
“No curto prazo não. No médio é um dos cenários possíveis. Se ela for bem curta, o impacto dura pouco, e não veremos efeito para a meta de 2050. Se ela durar um pouquinho mais, uns dois anos, pode acelerar mesmo. Mas se ela durar demais, entrarem várias outras nações em guerra, em cenário bem catastrófico, aí é o oposto: o mundo se volta fortemente para as fontes fósseis e esquecemos a meta de 2050”, alertou o professor.
Mesmo que a guerra provoque uma aceleração do processo de adesão à energia limpa, os especialistas ouvidos pela CNN acreditam que a meta anunciada na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas em 2021 (COP26) de atingir a chamada ‘neutralidade de carbono’ até 2050 não será alcançada.
“Atualmente, o mundo não está em linha com a meta de atingir neutralidade de emissões até 2050. Muitos países ainda não estão alinhados a esta meta, incluindo China, maior emissor do mundo, com meta de neutralidade em 2060, Austrália (2060) e Índia (2070). Mesmo dentro da Europa, há países que ainda não estão fazendo o suficiente para atingir suas metas. Cenários de conflitos podem ter efeitos imprevisíveis com relação a temas como emissões de gases de efeito estufa”, pontuou o presidente da ABSOLAR.