Mesmo com o maior pacote climático de todos os tempos, EUA ficam atrás dos gastos verdes da China

17/08/22 | São Paulo

Reportagem publicada pelo O Globo

O histórico acordo climático dos EUA , que foi aprovado pelas duas câmaras do Congresso americano, está sendo apontado como um dos mais ambiciosos compromissos de descarbonização feitos por qualquer governo até hoje. Será?

Muitos países aprovaram regulamentações climáticas e investiram em infraestrutura verde, mas a escala da Lei de Redução da Inflação tem poucos paralelos. O projeto destina US$ 374 bilhões para medidas climáticas e energéticas na próxima década, com foco em subsídios que tornam mais fácil e barato viver de forma mais sustentável.

Quando se combinam investimentos públicos e privados destinados a acelerar a transição energética, a China é de longe o maior gastador, de acordo com dados compilados pelo grupo de pesquisa de energia Bloomberg NEF. Nem a Lei de Redução da Inflação, nem o Acordo Verde (Green Deal) da Europa parecem capazes de mudar isso. A China gastou US$ 297,5 bilhões no ano passado na transição energética, enquanto os estados membros da UE investiram US$ 155,7 bilhões e os EUA US$ 119,7 bilhões, de acordo com a metodologia BNEF.

Ao comparar os esforços internacionais, pode ser complicado destrinchar onde os gastos do governo terminam e os empreendimentos privados começam, e os analistas frequentemente tendem para uma análise mais qualitativa. Uma distinção importante entre o plano americano e os modelos seguidos por outros grandes emissores, como a União Europeia e a China, é que o plano americano não depende da precificação do carbono.

— Em comparação com uma combinação de políticas de regulamentos, metas e investimentos usados ​​pela UE e pela China, os EUA estão adotando uma abordagem diferente, optando por uma conta de gastos maciços — disse Belinda Schäpe, pesquisadora de diplomacia climática na UE-China.

A precificação do carbono há muito tempo é defendida por economistas como um primeiro passo para a descarbonização e foi adotada por dezenas de nações, embora os debates sobre sua eficácia sejam intensos. Um grupo crescente de cientistas políticos argumenta que uma abordagem melhor é tornar a energia limpa e as tecnologias verdes mais acessíveis, assim a adotada pelos EUA.

O Acordo Verde da UE, aprovado em 2020 , tem o objetivo de reformular o funcionamento da economia do continente, redesenhando tudo, desde a agricultura até a forma como as cidades são construídas. O bloco planeja gastar 30% de seu orçamento de 2 trilhões de euros para 2021-2027, ou cerca de 600 bilhões de euros para combater as mudanças climáticas, e isso não inclui investimentos e subsídios individuais dos Estados-membros, de acordo com a pesquisa da empresa Rhodium Group.

O projeto dos EUA inclui financiamento para um novo banco verde federal. Esses US$ 27 bilhões são “diminuídos” pelo banco de desenvolvimento estatal alemão KfW, que possui ativos de cerca de US$ 500 bilhões e é uma “fonte crítica de capital” para projetos verdes em todo o mundo, observa Kelly Sims Gallagher, diretora do Climate Policy Lab da Universidade Tufts, em Massachusetts.

— Enquanto a Lei de Redução da Inflação vai mobilizar montantes sem precedentes de investimento em energia limpa nos Estados Unidos para a próxima década, a China e a UE estão gastando o mesmo tanto ou mais — explica Gallagher.

Na China, grande parte desse dinheiro está sendo direcionada para uma expansão mundial de energia eólica e solar, que foi sobrecarregada quando o presidente Xi Jinping disse em 2020 que o país pretende ser neutro em carbono até 2060. O aumento da geração renovável na China tem sido tão bem sucedido que agora ameaça terras agrícolas e as autoridades estão procurando equilibrar novas instalações solares com segurança alimentar.

A China deve instalar um recorde de 156 gigawatts de turbinas eólicas e painéis solares este ano, de acordo com o Instituto de Engenharia de Energia Renovável do país, um think tank que apoia a Administração Nacional de Energia. Em comparação, sob a Lei de Redução da Inflação, as adições à capacidade eólica dos EUA podem aumentar de 15 a 39 gigawatts por ano em 2025-2026 e de 10 a 49 gigawatts de energia solar em escala de utilidade, com as taxas de crescimento solar acelerando, de acordo com um análise preliminar realizada por pesquisadores da Universidade de Princeton.

Porém, talvez a melhor pergunta a ser feita sobre os esforços climáticos apoiados pelos Estados seja se eles reduzirão suficientemente as emissões de gases de efeito estufa. A Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) traçou um caminho para que os sistemas de energia do mundo se tornem zero até 2050, limitando os piores impactos das mudanças climáticas. Por essa métrica, a maioria dos principais emissores está gastando significativamente menos do que o necessário.

Para reduzir as emissões mundiais de dióxido de carbono relacionadas à energia zero até 2050, o investimento anual de capital precisa atingir quase US$ 5 trilhões até 2030 e US$ 4,5 trilhões até 2050, de acordo com uma avaliação da IEA. A única coisa que os planos públicos de gastos climáticos nos EUA, China e UE têm em comum é que os investimentos não são suficientes, disse Schäpe.

— Para ter sucesso na transição global necessária, os EUA, a China e a UE, como os maiores emissores, precisam aumentar significativamente os investimentos, em casa e no exterior — disse ela.