Novo marco do hidrogênio do Brasil é avanço, mas setor requer incentivos, diz indústria

29/11/23 | São Paulo

Reportagem publicada pelo UOL Economia

Por Letícia Fucuchima SÃO PAULO (Reuters) – Agentes do setor de energia no Brasil avaliaram positivamente o marco regulatório para o hidrogênio aprovado na terça-feira na Câmara, considerado um avanço importante para a criação de uma indústria nacional do combustível produzido por fontes limpas.

Mas dizem que buscarão recuperar no Senado incentivos para reduzir o custo de produção da energia utilizada para a fabricação do hidrogênio. Alguns subsídios acabaram sendo retirados do texto.

O projeto aprovado por deputados, que agora segue para apreciação dos senadores, regulamenta a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono e institui uma política nacional sobre o tema.

A aprovação ocorreu em meio aos esforços do governo e parlamentares de avançar com essa e outras pautas ligadas à transição energética, como a regulação para usinas eólicas no mar, antes da cúpula climática COP28, que começa na quinta-feira em Dubai.

“A partir desse texto, a gente tem uma base efetivamente para a criação de uma indústria do hidrogênio no país, é o que estávamos trabalhando para que acontecesse… É um passo super importante que damos na transição para uma economia de baixo carbono e da neoindustrialização verde do Brasil”, disse Camila Ramos, conselheira da associação de energia solar Absolar e fundadora da consultoria CELA.

A indústria de hidrogênio vem atraindo o interesse de grandes empresas, como Petrobras e Eletrobras, que miram o fornecimento do novo combustível para a descarbonização da indústria local, ou para exportação para outros mercados.

Segundo o governo, o Brasil tem cerca de 30 bilhões de dólares em projetos já anunciados de hidrogênio de baixo carbono, que inclui aquele produzido a partir de fontes renováveis de energia e também projetos com fontes fósseis com captura de CO2.

Vários desses projetos, porém, estão em estágio inicial e à espera de uma lei específica para o segmento no Brasil.

Ramos avaliou positivamente a classificação como “hidrogênio de baixa emissão de carbono” no projeto aprovado na Câmara, em vez de outras nomenclaturas que tenderiam a limitar as rotas tecnológicas de produção e os recursos da matriz energética brasileira que podem ser usados para o combustível.

“O (hidrogênio) ‘verde’ é muito limitante, basicamente só a tecnologia de eletrólise da água com (fonte) eólica, solar e hidrelétrica. O ‘renovável’ é mais abrangente, inclui a biomassa, o etanol, que também são fontes limpas… Com o ‘baixa emissão de carbono’, você mensura essa emissão independentemente da tecnologia e fonte utilizada, por isso a escolha”, explicou.

O marco também incluiu incentivos para a produção, como isenções fiscais no “Rehidro” –espécie de Reidi para a cadeia do hidrogênio–, mas foram excluídos outros pontos considerados importantes para tornar a indústria mais competitiva, relacionados sobretudo à energia utilizada no processo, como isenção do pagamento de encargos setoriais e desconto no fio.

“É muito importante o que foi aprovado ontem como alicerce, agora vamos trabalhar com Congresso, iniciativa privada, para ter um plano mais robusto e fazer melhorias”, afirmou Luis Viga, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV) e country manager para o Brasil da mineradora Fortescue, que desenvolve um projeto de hidrogênio no Ceará.

Segundo Viga, os incentivos para reduzir o custo da energia utilizada na produção do hidrogênio são importantes porque, ainda que o Brasil já tenha uma geração renovável muito competitiva, outros países estão investindo pesadamente no setor para ganhar escala, algo essencial para o desenvolvimento de uma nova indústria como a do hidrogênio.

“É muito importante para a decisão final de investimentos… É muito importante para a gente contar com os incentivos”, afirmou o executivo, ao comentar sobre o projeto da Fortescue, que já obteve licença prévia do governo cearense.

O diretor técnico regulatório da ABEEólica, Francisco Carlos da Silva Junior, afirmou que enxerga o marco como um “grande avanço”, mas pontuou que a entidade buscará negociar com senadores a inclusão dos pontos que foram excluídos.

“É para dar oportunidade para que a indústria nasça, sempre preconizamos uma temporariedade (dos incentivos)… Não estamos pedindo renúncia”, ressaltou ele, lembrando que a proposta era de concessão de incentivos por um período de 10 anos.

Um dos projetos mais avançados de hidrogênio no Brasil é o da química Unigel, que está construindo uma planta no polo petroquímico de Camaçari. O empreendimento está em fase de engenharia e tem previsão de conclusão para o primeiro semestre de 2024.

“Ter um marco legal traz toda a segurança jurídica, muitas empresas estão aguardando ter isso sancionado para de fato fazer seus investimentos porque a cadeia do hidrogênio é de capital intensivo”, disse Andre Themoteo da Silva Melo, especialista em hidrogênio da ABEEólica.

CUSTOS PARA CONSUMIDORES

Na visão da associação de grandes consumidores de energia ABRACE, porém, a retirada dos subsídios no marco do hidrogênio foi positiva, uma vez que eles “ampliavam distorções” do setor elétrico e seus custos recairiam sobre a conta de luz de todos, aqueles que já vêm sendo onerados excessivamente por outras políticas do setor elétrico.

Com visão semelhante à da ABRACE, a consultoria PSR avalia que a versão aprovada do marco pela Câmara representou um avanço em relação ao texto inicial, principalmente pela retirada dos incentivos que teriam alto impacto na tarifa de energia dos consumidores.

Segundo a consultoria, os consumidores estariam sendo onerados para beneficiar projetos que, em sua maioria, buscam a exportação do insumo.

“Adota-se uma política mais voltada para o mercado nacional, reduzindo (apesar de não eliminar) o risco de ‘exportação’ de incentivos para descarbonização dos países importadores do hidrogênio”, disse a PSR.