O novo governo e as políticas energéticas

07/01/23 | São Paulo

Reportagem publicada pelo Estadão

Com o início do novo governo federal, o Brasil passa a reposicionar seu discurso nas negociações climáticas e no combate ao aquecimento global, conforme destacado pelo presidente Lula da Silva em seu discurso de posse. Mesmo antes de iniciar o mandato, a própria participação na COP-27 já trazia esse marco de mudança de postura.

Apesar da perspectiva de retomada de ações ambientais e de repasses de recursos internacionais congelados, há muitos desafios e incoerências a serem superadas. O Brasil é tido como referência em fontes renováveis, mas será que as políticas públicas e incentivos governamentais priorizam nossas fontes sustentáveis?

Quando se analisa os subsídios pagos pelos consumidores na conta de luz, via Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), considerada uma das principais políticas públicas do setor elétrico, a discrepância torna-se evidente. Segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), dos R$ 32 bilhões que foram arrecadados via CDE em 2022, cerca de R$ 12 bilhões são para custeio de termelétricas fósseis movidas a diesel, ou seja, 37% do total. Outro montante de quase R$ 1 bilhão foi destinado a subsidiar termelétricas a carvão, uma das fontes mais poluentes do mundo. Resultado: as fontes fósseis possuem mais apoio da CDE do que as fontes renováveis.

Já pelo estudo Subsídios aos combustíveis fósseis: conhecer, avaliar, reformar, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), o Brasil deixou de arrecadar em 2021 impressionantes R$ 118 bilhões, usados para subsidiar o consumo e a produção de combustíveis fósseis como petróleo e gás natural. Isso é mais de três vezes o orçamento do Programa Bolsa Família de 2021, um escândalo.

Lamentavelmente, decisões históricas do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do órgão regulador, e a forte resistência de grupos econômicos ligados à velha estrutura do setor elétrico têm feito o Brasil caminhar na contramão do mundo quando se trata de acelerar a transição energética para fontes mais limpas, sustentáveis e acessíveis.

Para o Brasil se tornar a potência sustentável que almejamos, é preciso inverter essa lógica: diminuir subsídios, incentivos e desonerações às fontes fósseis e aumentar o apoio às fontes limpas e renováveis. É nessa direção que o mundo caminha e é isso que a sociedade brasileira e a comunidade internacional esperam de nossos líderes.

Por exemplo, as contas apresentadas pela Aneel sobre supostos custos da geração própria de energia renovável na CDE são incompletas e não contribuem com esse propósito. Elas desconsideram os imensos benefícios técnicos, econômicos, sociais e ambientais da energia solar ao setor elétrico, à sociedade e ao País.

As memórias de cálculo não foram sequer disponibilizadas. Apresentam o valor que os consumidores de energia pagarão para proteger as receitas e os lucros das super-ricas distribuidoras de energia elétrica. Mas a quem interessa mostrar apenas um lado dessa moeda e deixar de fora da análise os benefícios da geração própria renovável aos consumidores?

Em contraponto, estudo da consultoria especializada Volt Robotics atesta que a geração própria de energia solar nos telhados e pequenos terrenos trará mais de R$ 86,2 bilhões em benefícios sistêmicos no setor elétrico aos consumidores até 2031. Com isso, a geração distribuída barateará a conta de luz de todos os consumidores, inclusive os que não tiverem sistema solar, em 5,6% na próxima década. No mesmo período, a geração solar reduzirá a emissão de gases de efeito estufa em 67 milhões de toneladas de CO2 e diminuirá em 60% a ocorrência de bandeira vermelha nas contas de luz.

Durante a grave crise hídrica que assolou o Brasil em 2021, a geração distribuída evitou um custo adicional de R$ 13,6 bilhões, que poderiam vir com mais despacho de termelétricas fósseis e caras para o suprimento energético. Se não fossem os sistemas solares dos próprios consumidores, esse custo teria sido de R$ 41,6 bilhões, cerca de 48,6% a mais na conta de luz.

Reconhecendo os benefícios da geração própria renovável ao País, o Congresso Nacional aprovou em janeiro de 2022 o marco legal do segmento, pela Lei n.º 14.300/2022. Assim, a sociedade e os consumidores brasileiros esperam que, neste novo momento político-institucional, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Aneel reconheçam, considerem e calculem de fato os benefícios da geração distribuída, conforme determina a lei.

Portanto, com a posse do novo governo, fica a pergunta: o Brasil continuará pagando caro para sujar a matriz elétrica nacional, retrocedendo no combate climático? Ou reformará suas políticas públicas e incentivos para alinhá-los à transição energética sustentável, fortalecendo seu protagonismo ambiental internacional e colaborando com a redução de emissões de gases de efeito estufa e com a redução dos custos de eletricidade de todos os consumidores brasileiros?