O sol é para todos: usinas comunitárias levam autogestão de energia a favelas do Rio

27/04/22 | São Paulo

Reportagem publicada pelo UOL

Frente à carestia das contas de luz nos lares brasileiros, uma cooperativa de energia solar nos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira e uma ONG na comunidade do Vidigal, zona sul do Rio de Janeiro, se destacam como iniciativas inovadoras de autogestão energética em comunidades carentes.

A assistente social Márcia Campos, de 51 anos, moradora da Babilônia, no bairro do Leme, conta à AFP que a conta de luz de sua casa beirava R$ 500 antes de ser abastecida pela cooperativa de energia solar na comunidade – a primeira criada em favelas no Brasil.

Em atividade desde julho de 2021, a cooperativa tem 104 placas instaladas em quatro usinas. Sessenta placas instaladas no telhado da Associação de Moradores da Babilônia beneficiam 34 famílias e outras 44 em três instalações privadas abastecem bares e hostels na Babilônia e no Chapéu Mangueira.

Rápido crescimento

“Hoje, (a conta) chega a R$ 260 e tem mês que chega perto de R$ 180. Foi uma redução muito boa para mim”, diz Márcia, que tenta convencer a família a aderir à cooperativa, criada por lideranças comunitárias e pela ONG Revolusolar.

“Esse é o primeiro exemplo de produção de energia solar em favelas do país”, afirma o italiano Stefano Motta, 45 anos, presidente da cooperativa.

A iniciativa chegou em um momento em que as altas contas de luz corroem a renda dos brasileiros.

“Os moradores nos procuraram cada vez mais com queixas sobre o valor da conta de luz e conseguimos incentivá-los sobre a importância da luz solar para a economia e para o ambiente em que vivem”, conta Stefano.

Desde janeiro de 2021, o preço da eletricidade teve um aumento acumulado de 7%, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Para 2022, a previsão é que a tarifa aumente 21%.

Dois fatores explicam a carestia: ao longo de 2021, as usinas hidrelétricas, responsáveis por 57,6% de toda a energia produzida no país, entregaram ao Sistema Interligado Nacional (SIN) 8,8% menos eletricidade do que em 2020 devido à crise hídrica.

Por outro lado, as termelétricas – que produzem energia mais cara -, forneceram 43,5% mais eletricidade no mesmo período, segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).

Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), a proporção da energia solar na matriz energética brasileira é de apenas 1,8%, com sistemas fotovoltaicos concentrados nas regiões sul e sudeste e majoritariamente em residências.

No entanto, as usinas solares entregaram em 2021, em média, 878 MW, 29,3% a mais do que em 2020, de acordo com o SIN.

“Está crescendo muito rápido”, diz Carlos Aparecido, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), referindo-se ao uso da energia solar residencial.

“É uma alternativa sustentável para o custo alto da luz para pessoas mais pobres”, completa.

Iniciativas como estas podem inspirar ideias semelhantes para amenizar o custo de vida do mais de 1,39 milhão de habitantes das 763 favelas da cidade do Rio de Janeiro, segundo o IBGE.

Alternativa aos ‘gatos’

Outro benefício da energia solar é que ela pode ser uma alternativa aos chamados ‘gatos’, ligações clandestinas feitas para driblar a cobrança das companhias distribuidoras, que geram prejuízo de R$ 1,5 bilhão para o setor, segundo a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica.

“O valor (furtado) é repassado aos demais consumidores”, adverte o professor Aparecido.

“Pessoas morando em favela pagando R$ 600 têm que decidir entre pagar a luz ou comprar comida”, completa Stefano.

O recepcionista André Luiz Campos, 49 anos, morador da Babilônia, questiona o valor de sua conta de luz: “Tenho uma geladeira, um freezer e uma televisão, como é que pode vir R$ 800?”.

Projeto ambicioso

Em dezembro, a energia solar chegou à ONG SER Alzira, no Vidigal, outra comunidade da zona sul carioca, que viu nos painéis solares uma forma de driblar o alto custo das contas de luz.

“Era preciso. Há algum tempo estávamos pensando nisso”, afirma Elma de Aleluia, fundadora da ONG. Empresas privadas doaram os equipamentos usados na usina fotovoltaica. “Com essa economia consigo destinar recursos para outros projetos” socioeducativos, comemora.

A ideia da usina solar no Vidigal foi de Tiago Fraga, diretor do grupo FRG Mídias&Eventos, idealizador de um projeto destinado a ajudar pessoas com dificuldades de acesso à energia elétrica de qualidade e barata.

“Queremos levar luz a locais onde as pessoas tenham dificuldade de ter energia ou (onde) a energia é cara”, afirma.

A ONG Ser Alzira foi a primeira beneficiada, mas há planos de levar a iniciativa a outros lugares.

“Sempre vamos para outros lugares, Cuiabá, Manaus […] Procuramos desenvolver pelo menos uma usina (fotovoltaica) nessas regiões”, diz Fraga, que quer ajudar a popularizar a energia solar no Brasil.