O sol na mira do cooperativismo

15/12/17 | São Paulo

Canal Bioenergia

Há tempos o brilho do sol tem encantado bem mais que turistas no Brasil. Seguindo uma tendência mundial de diversificação de fontes energéticas e de preservação ambiental, a geração de energia solar fotovoltaica vem se desenvolvendo significativamente nos últimos anos. No Brasil, os estímulos têm sido constantes e o setor busca parcerias governamentais e privadas para crescer em altas proporções.

A fonte solar é confiável e inesgotável, sem poluição ou resíduo, e gera energia por um período de 25 a 30 anos, sendo que aproximadamente 96% dos componentes são recicláveis, exigindo manutenção mínima. Recentemente tornou-se possível o sistema de compensação de energia, no qual o excedente da micro e da minigeração é injetada na rede de distribuição, com redução na conta de energia. Se a energia injetada for superior à energia retornada da rede, o consumidor terá um crédito a ser usado, com validade de 60 meses.

De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), no início de 2017 o Brasil marcava 60 megawatts (MW) de geração distribuída e 30MW de geração centralizada. Hoje, a projeção até o final do mês de dezembro é de 150MW para geração distribuída – até o momento o número é de 143MW. Com relação à geração centralizada, já se passou da marca de 500MW, devendo chegar a 850MW operacionais até o final do mês. Ou seja, o setor teve um crescimento de 11 vezes neste ano, devendo alcançar seu primeiro gigawatt.

Entretanto, um dos principais entraves do setor, se não o único, é o alto custo dos projetos e implantação de painéis, o que vem sendo reduzido pelo início da produção de materiais nacionais, cursos voltados a profissionais da área e aumento de concorrência no setor. Uma instalação residencial tem custo na casa dos milhares, variando de acordo com a necessidade energética e o investimento disponível. Para tentar democratizar o acesso a financiamentos e facilitar a instalação de mini e microgeradores, as cooperativas de crédito tem voltado suas atenções para a energia solar.

Dados revelam crescimento do setor fotovoltaico. Fatores estão ligados à melhoria da capacitação técnica dos fornecedores, redução do preço de aquisição da tecnologia, políticas de incentivo e também o aparecimento de novas fontes de financiamento.

Zelonir Antônio Santos, gerente de vendas, foi um dos que aproveitou o financiamento por cooperativa para instalar sistema fotovoltaico residencial. Desde setembro deste ano, ele paga 70% a menos na conta de energia, tendo que desembolsar apenas taxas de iluminação pública e uma pequena parte de seu consumo da rede. O sistema não supre toda a necessidade energética por limitações físicas, já que o telhado da casa de Zelonir não possui espaço suficiente. “Estava sendo mal atendido pela concessionária de energia local, além de pagar valores altos. Por isso, resolvi buscar meios para gerar energia em casa”, explica.

O valor total da instalação foi de R$35 mil, atendendo às necessidades de uma família composta por quatro pessoas. Todo o investimento foi financiado por cooperativa de crédito e poderá ser pago em 36 meses. “Estou muito satisfeito. Se eu não tivesse conseguido este financiamento, não seria viável instalar o sistema.”

“Hoje as cooperativas são grandes players dentro da área de agronegócio em Goiás”, comenta Joaquim Guilherme Barbosa.

O financiamento de cooperativas para a área energia é novo, sendo que agora que estão surgindo projetos especiais, é o que comenta Joaquim Guilherme Barbosa, presidente do Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras no Estado de Goiás e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado de Goiás (OCB/SESCOOP-GO). “As cooperativas surgem quanto há um problema comum, quando existe a necessidade e as empresas privadas não atendem o processo. Hoje as cooperativas são grandes players dentro da área de agronegócio em Goiás.”

Ele relembra que, há 50 anos, as propriedades rurais não tinham energia elétrica por deficiência do Estado. “Na época, formaram-se cooperativas de energia rural. Quando não tem quem resolva, nos juntamos e resolvemos”, diz, fazendo analogia à questão fotovoltaica.

Segundo Joaquim Guilherme, as cooperativas democratizam o acesso não só aos serviços como aos insumos, universalizando o atendimento. Mas, entre as opções disponíveis, ele alerta: “existem empresas que se dizem cooperativas, mas não foram registradas e trabalham na informalidade. É preciso certificar-se sobre o registro, o que pode ser feito pelo próprio site da OCB ou na Junta Comercial”.

Custos

Conforme explica Pedro Provázio, engenheiro eletricista, civil e de segurança do trabalho e diretor da Stonos Desenvolvimento Criativo, o preço de uma instalação fotovoltaica, incluindo projeto, aquisição, implantação e ativação do funcionamento do sistema, varia a partir de R$12 mil. Todavia, a média dos sistemas comercializados no Brasil até o final do primeiro semestre de 2017 foi de 10 quilowatt-pico (kWp), com custo de instalação de aproximadamente R$52 mil.

De acordo com Pedro Provázio, a média dos sistemas comercializados até o final do primeiro semestre foi de 10 kWp, com custo de aproximadamente R$52 mil.

O presidente da ABSOLAR, Rodrigo Sauaia, comenta que os financiamentos realizados pelas cooperativas é uma resposta à demanda. “Isso mostra uma oportunidade interessante de buscar novos caminhos para atingir esse mercado. As cooperativas de crédito têm diferencial de serem mais horizontalizadas e com taxas menores, com visão voltada para o coletivo. Isso faz dessa opção uma alternativa interessante.”

De acordo com Sauaia, o Brasil inteiro é fértil para esse tipo de iniciativa. Entretanto, ele explica que é preciso se atentar às características da tecnologia, ou seja, investimento de longo prazo (oito a dez anos, levando-se em consideração o payback), taxas de juros competitivas, carência de seis meses a um ano e também aceitação do sistema fotovoltaico como garantia financeira de acesso ao crédito.

Até o final do primeiro semestre de 2017, uma pesquisa realizada pela Greener apontou que cerca de 50% das instalações fotovoltaicas foram viabilizadas via pagamento à vista pelo próprio cliente. O parcelamento via empresa integradora da solução abrange um total de aproximadamente 30% das operações de vendas de sistemas, enquanto financiamento representa uma fatia um pouco maior que 15% dos modelos de aquisição. “É importante ressaltar que os maiores sistemas foram viabilizados após o incremento das opções de financiamento, o que tem colaborado para a transposição da maior barreira para a adesão aos sistemas fotovoltaicos: o desembolso do capital para aquisição à vista”, sustenta Pedro Provázio. Segundo o engenheiro, até a metade deste ano, as opções de financiamento mais atrativas se resumiam às contas bancárias de pessoas jurídicas, cenário que tem passado por mudança com o surgimento de linhas de financiamento atrativas também para pessoas físicas. “Este movimento para as pessoas físicas ainda está em processo de crescimento e é imprescindível que os prazos para amortização aumentem e as taxas de juros continuem caindo.”

Financiamentos

O Sicredi, instituição financeira cooperativa com mais de 3,5 milhões de associados, oferece o Financiamento paraEnergia Solar, linha de crédito específica para a aquisição de tecnologias que se beneficiem de energia solar para um determinado fim, como sistemas de aquecimento, painéis fotovoltaicos ou sistemas de concentração de energia solar. O programa foi lançado em dezembro de 2015 e, desde então, foram comercializadas 145 operações, com valor total de R$13 milhões. Para contratar a linha de crédito, o associado deve apresentar o orçamento do empreendimento para avaliação da viabilidade do financiamento e o crédito será concedido diretamente na conta corrente da empresa que irá executar o projeto.

O consultor de negócios do Sicredi, Diogo Pelissaro, ressalta que o produto é específico para a aquisição de tecnologia de energia solar, que inclui hardware (sistemas de montagem, inversores e placas de captação, além de equipamentos adicionais necessários no orçamento e/ou projeto) e software. O valor financiado é creditado diretamente na conta corrente do fornecedor e o limite de crédito é disponibilizado de acordo com a capacidade de pagamento do associado, com prazo de pagamento de até 120 meses. A modalidade pode ser contratada por pessoa física ou jurídica de todos os segmentos, desde que associada a cooperativa do Sistema Sicredi. Nesse sentido, a principal diferença com relação às outras empresas financiadoras são as taxas mais competitivas, uma vez que as cooperativas não visam o lucro. “As cooperativas de crédito fazem isso mantendo os recursos financeiros nas regiões onde são gerados e dividindo o resultado gerado com os associados”, finaliza Pelissaro.

Ricarte Vicentini de Miranda destaca que cooperativas de crédito oferecem trâmites de análise e liberação do crédito mais ágeis que os praticados pelo mercado.

O Sicoob Engecred-GO também oferece financiamento para aquisição e instalação de projetos de geração de energiaelétrica por meio de energia solar fotovoltaica. O programa está em operação desde outubro deste ano. Há possibilidade de financiar até 100% do custo total do projeto, dependendo da análise de crédito. O pagamento é realizado direto ao fornecedor do serviço, em três etapas: 50% quando do pedido dos equipamentos, 25% na conclusão da instalação do sistema e 25% após conclusão do sistema de compensação (integração com a rede elétrica). Podem desfrutar pessoas físicas e jurídicas, para projetos empresariais e residenciais.

Ricarte Vicentini de Miranda, diretor de relacionamento com o associado do Sicoob Engecred-GO, salienta que,como o recurso é da própria instituição financeira cooperativa, os trâmites de análise e liberação do crédito são mais ágeis que os praticados pelo mercado. “Neste financiamento especifico, os prazos ofertados são maiores que os disponíveis no mercado (até 72 meses), e possui taxa de juros muito competitiva (a partir de 1,09% a.m.). Vale ressaltar que, mesmo nessa linha de credito, o associado possui participação nas sobras da Cooperativa.”

Cooperativas

As cooperativas são associações de pessoas que tenham por fim a melhoria econômica e social de seus membros, através da exploração de uma empresa sobre a base da ajuda mútua. Em Goiás, existem 214 cooperativas ativas de nove ramos diferentes, num total de 173.205 cooperados.

Nesse sentido, a advogada Luna Provázio esclarece que o que diferencia as cooperativas das demais empresas é que elas exercem atividade econômica, mas sem fim lucrativo. “A atividade cooperativa não cria riquezas para a posterior distribuição entre os cooperados, na proporção de sua participação. Na cooperativa, o objetivo dos cooperados não é o lucro a ser repartido, mas a redução dos custos dos bens ou serviços que interessam aos sócios, para melhorar sua condição econômica. Nada impede que o eventual resultado da atividade venha a ser repartido, mas esse não é o objetivo central das cooperativas.” Embora não tenha fim lucrativo, o exercício de atividade econômica pelas cooperativas gera resultados. No caso de prejuízos, eles serão repartidos entre os sócios e, no caso de resultado positivo, poderá haver a distribuição dessas sobras. “Ressalte­-se que esse resultado positivo, embora similar, não se confunde com os lucros, que não é objetivado pelas cooperativas”, pondera Luna.

A advogada destaca que as cooperativas de crédito são integrantes do Sistema Financeiro Nacional, o que significa que são fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil. “Seus balanços sofrem auditoria externa especializada e as contas correntes dos associados têm uma garantia automática de até R$250 mil, caso a instituição apresente problemas de liquidez.”

Goiás deve receber cooperativa para geração distribuída

No início de 2018 deverá ser inaugurada em São Luís dos Montes Belos, cidade do centro goiano, cooperativa para geração distribuída de energia solar fotovoltaica, a Cooperativa dos Produtores de Energia Renovável do Brasil (Cooperb). A ideia é que, ao invés de o consumidor instalar usina fotovoltaica em seu estabelecimento, os cooperados investirão em criação de usina única, que será interligada ao sistema da Companhia Energética de Goiás (Celg). Dessa forma, a geração será feita em um condomínio de usinas e a entrega de energia poderá ocorrer em qualquer cidade atendida pela Celg (energia compensada). A usina deverá ter um megawatt de potência e os cooperados (pessoa física ou jurídica) poderão utilizar a produção para consumo em suas empresas e residências. À medida que mais pessoas se associarem à cooperativa, a capacidade de produção será aumentada.

Joaquim Guilherme Barbosa, responsável pelo empreendimento, explica que o projeto visa dar maior praticidade e facilitar o uso do sistema fotovoltaico. “A tendência é reduzir os valor de investimento, já que os custos fixos serão diluídos. Ou seja, serão reduzidos os números de medidores, compensadores, conversores e outros”, antecipa. O sistema deve entrar em operação dentro dos próximos 90 dias.