19/03/20 | São Paulo
A possibilidade de se aproximar do modelo da telefonia, com mais opções de escolha para o consumidor, é algo que tem progredido gradativamente na área de energia. Recentemente, a Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado aprovou o relatório do senador Marcos Rogério (DEM-RO) para o Projeto de Lei (PLS) nº 232/2016, que institui o novo marco regulatório do setor elétrico. Dentro do pacote de medidas está prevista a portabilidade da conta de luz, ou seja, a alternativa do cliente, inclusive o residencial, de decidir de qual empresa comprar a sua energia, algo que pode diminuir seus gastos com eletricidade devido ao aumento da concorrência.
Após o projeto tramitar no Congresso, em um prazo de 42 meses depois da sanção da lei, todos os usuários, independentemente da carga ou da tensão utilizada, poderão ingressar no chamado mercado livre. Atualmente, podem migrar do ambiente cativo (atendido pela distribuidora onde está localizado o cliente) grandes consumidores, com demandas entre 0,5 MW a 2 MW, utilizando gerações incentivadas (renováveis), ou acima de 2 MW, que podem adquirir a produção de qualquer fonte (fósseis, hidrelétricas de maior porte etc.).
O analista regulatório da Safira Energia, Murilo Stella, considera que criar um mercado livre para o cliente residencial, de baixa tensão, levará tempo e dependerá muito da divulgação dessa proposta. Ele frisa que a iniciativa é benéfica para o consumidor, que terá mais opções de escolha. "Com o tempo, acredito que o usuário vai acabar tendo um engajamento, mais conhecimento, da mesma forma que houve com o setor de telefonia", projeta.
O analista detalha que a ideia é ter uma divisão da conta de luz, separando o custo da geração dos valores do serviço de distribuição. Por exemplo, o morador de Porto Alegre, que, hoje, é atendido pela CEEE-D, poderia comprar a energia de outra empresa, mas ainda pagaria para a estatal gaúcha o uso do "fio", a estrutura que faz chegar a eletricidade na residência. É claro que, com isso, o montante pago para a CEEE-D seria menor do que o cliente paga atualmente, pois não estaria inserido na tarifa da distribuidora o custo que a companhia teria ao adquirir a geração de energia.
Stella recorda, ainda, que, hoje, quem é cliente cativo de uma distribuidora tem sua conta de luz reajustada pelo órgão regulador do setor elétrico, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e não tem abertura para discutir essa questão. "A partir do momento que há a entrada de novos players no mercado, uma competição, a tendência é do preço ser mais interessante, com o consumidor podendo negociar com empresas diferentes", enfatiza. Essa compra de energia será realizada com uma comercializadora ou geradora do setor elétrico.
O diretor da Siclo Consultoria em Energia Plinio Milano cita que Portugal já adotou a prática da portabilidade, e todos os usuários podem adquirir energia de qualquer fornecedor. "Não se está falando de algo que não existe no mundo", reforça. Porém o consultor também não vê essa mudança se tornar uma realidade a curto prazo no Brasil, pois a migração para um mercado livre implicará a modernização de milhões de medidores de consumo de energia. Milano calcula que seriam necessários, no mínimo, uns cinco anos de preparação para a baixa tensão – os clientes residenciais – estar preparada para a novidade.
Milano acrescenta que, dentro da portabilidade, poderão ser oferecidos pacotes de serviços para os clientes dependendo do perfil de uso da eletricidade. O consumidor poderá escolher por gerações limpas, como a solar e a eólica, ou por companhias que fornecem energia mais barata em determinados períodos, como nos fins de semana ou em horários fora da ponta de consumo. A maior dificuldade, prevê Milano, será a adaptação para o salto do tamanho que poderá ficar o mercado livre. No momento, esse ambiente é composto por cerca de 10 mil clientes e passaria para um potencial que englobaria todos os consumidores de energia do País.