Projeto leva energia solar para aldeias indígenas do Amapá

29/04/21 | São Paulo

Reportagem publicada no UOL

Os mais de 5 mil indígenas das aldeias Kumenê e Kumarumã, no Amapá, sofrem com um fornecimento intermitente de energia. A eletricidade, que fica disponível apenas durante períodos específicos do dia e da noite, vem de geradores alimentados por cerca de 22 mil litros de óleo diesel que a Companhia de Eletricidade do Amapá (CEA) envia mensalmente para as duas aldeias.

Mas, segundo a antropóloga Ana Moreira, da Unicamp, nem sempre esse combustível chega às comunidades e, às vezes, os geradores quebram, trazendo ainda mais instabilidade – especialmente no atendimento de saúde. Além disso, ela lembra que o modelo de geração elétrica a diesel gera impactos negativos ao meio ambiente, com o aumento da poluição atmosférica por gases como óxidos de enxofre, dióxido e monóxido de carbono, entre outros.

Para amenizar esses problemas, as duas aldeias receberam, em março deste ano, instalações solares fotovoltaicas para fornecer energia elétrica renovável aos seus Polos Base de saúde. Os dias nublados e chuvosos, comuns por ali, não são um empecilho: a energia gerada pelos painéis fotovoltaicos fica armazenada em baterias capazes de dar subsídio por até três dias caso a intensidade solar esteja menor.

Realizado por meio de uma parceria entre a Unicamp, o Instituto de Pesquisa e Formação Indígena (Iepé) e a empresa francesa Easy Watt, o projeto é financiado pela Embaixada da França e faz parte de uma iniciativa de segurança energética que deve durar cerca de seis anos na região. Ana participou desse trabalho, assim como o engenheiro eletricista e pesquisador da Unicamp Rafael Kotchetkoff Carneiro. “Agora as geladeiras para manter vacinas e medicamentos, além dos microscópios para exame de malária, nebulizadores, iluminação e internet podem finalmente ficar ligados o tempo todo nos hospitais”, explica ele.

As vacinas que precisam ser refrigeradas não são as de covid, já que os indígenas estavam no grupo prioritário e já tinham sido vacinados quando a equipe chegou. “O problema maior estava sendo com as vacinas infantis. Os pais precisavam levar as crianças até a cidade mais próxima, o que significa várias horas de viagem de barco”, completa.

Dias de viagem e muita lama

A execução desse trabalho levou 14 dias: oito e meio nas comunidades indígenas e cinco e meio de deslocamento. Saindo de Campinas, o primeiro passo foi pegar um voo de 5 horas e meia de duração até Macapá (AP). A equipe passou a noite ali para, no dia seguinte, viajar até o município de Oiapoque por terra.

O trajeto costuma levar entre 10 e 12 horas quando as coisas estão tranquilas. Não foi bem o que aconteceu com a equipe de Rafael: sua viagem durou 18 horas devido às condições da velha BR-156, que virou um atoleiro por causa da chuva. A estrada não tem asfalto em 528 dos seus 812 quilômetros de extensão. Por isso, é comum haver tratores em locais estratégicos para ajudar a puxar os veículos presos na lama.

Ao chegar à cidade, a primeira parada foi a aldeia de Manga, após uma viagem de uma hora de carro. De lá, a equipe iria viajar de barco por cerca de 5 horas até Kumenê, mas teve que esperar: “Não havia combustível para os barcos irem até às aldeias, porque o caminhão que faz esse transporte estava atolado”, lembra Rafael. “Tivemos que esperá-lo por um dia”.

Depois, para chegar à aldeia Kumarumã, foi necessário mais 3 horas navegando. A Voadeira, o barco usado em ambos os trajetos, é uma embarcação pequena, que pode ou não ter cobertura contra a chuva. Nas viagens da equipe, não tinha – e choveu bastante. Em alguns trechos, a mata avança pelo rio e é preciso descer do barco e empurrá-lo adiante.

Instalando os painéis solares

Nas aldeias, a equipe trabalhou lado a lado com os indígenas. “Nós fizemos uma oficina para capacitá-los a fazer a instalação, a operação e a manutenção desses equipamentos”, conta o engenheiro. “Eles fizeram tudo com a gente, desde bater o concreto até a instalação elétrica”.

Ter esse conhecimento não apenas dá autonomia para que os próprios moradores resolvam eventuais problemas, mas também deve facilitar instalações futuras de painéis que servirão às casas e outras construções locais. “Nossa ideia é futuramente substituir ou pelo menos complementar a energia dos geradores a diesel para que dependam o mínimo possível deles. Quando chegamos, uma das aldeias estava com metade das casas sem força porque o transformador antigo queimou e seria preciso buscá-lo de barco na cidade, afirma.

A viagem também serviu para que os pesquisadores da Unicamp fizessem um levantamento da demanda energética dessas comunidades. Assim, poderão planejar melhor os próximos passos. “Descobrimos que a maior parte das casas consome pouca energia. Os equipamentos que mais consomem, além das bombas de água, são teclados, guitarra e caixa de som por causa das igrejas locais”, explica Rafael.

Indígenas e engenheiros montam instalação solar fotovoltaica em aldeia do Amapá (Foto: Imagem: Rafael Kotchetkoff Carneiro)

Veículos viajando pela BR-156 em dia de chuva (Foto: Imagem: Rafael Kotchetkoff Carneiro)

Os barcos que levam até as aldeias indígenas Kumenê e Kumarumã, no Amapá (Foto: Imagem: Rafael Kotchetkoff Carneiro)