Qual poderia ser a matriz elétrica 100% renovável?

17/07/20 | São Paulo

BioCana 

Publicado para consulta pública nesta semana, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e pelo Ministério de Minas e Energia (MME) joga luz sobre os desafios para atingir uma matriz de energia 100% renovável em 30 anos — a começar pelo investimento, da ordem de R$ 794 bilhões.

Não que essa seja a meta. A EPE realiza dezenas de simulações para expansão da oferta de energia no futuro, que servem para orientar as estratégias de curto e médio prazos. Expandir a capacidade e substituir 100% das fontes fósseis é apenas um desses diversos cenários.

Entre a estagnação econômica e a expansão (crescimento médio do PIB de 3,1% ao ano), a EPE estima uma demanda por energia, não apenas elétrica, até 2,15 vezes maior em 2050, em relação a 2015. Crescimento de 261 milhões de toneladas equivalentes de petróleo (tep) para 562 milhões de tep.

Zerar as emissões na geração de energia elétrica, por sua vez, significaria instalar cerca de 400 GW de potência, majoritariamente a partir das fontes eólicas (em terra) e solar. Neste cenário, essas duas combinadas representariam 50% da capacidade (290 GW) e 62% da geração (115 GW médios) em 2050.

Atualmente, a eólica e a solar representam pouco mais de 10% da capacidade instalada, com 19 GW — significaria crescer a uma taxa anual da ordem de 10% ao ano, por 30 anos.

Demanda se justifica, neste cenário, pela necessidade de eliminar a queima de óleo e descolar 9,1 GW de potência instalada a gás natural e carvão a partir de 2030 e considerar a restrição para entrada de novas usinas hidrelétricas…

… De acordo com a EPE, do potencial de 52 GW para instalação de novas UHEs, 77% ou 40 GW estão em regiões legalmente protegidas (terras indígenas e unidades de conservação). O modelo para a geração elétrica com zero emissões em 2050 incorpora essa restrição.

Essa matriz 100% limpa teria, então, 28% da geração baseada em energia hidroelétrica; um crescimento expressivo da geração distribuída (além da energia solar centralizada), atendendo a 6% da demanda; e outras fontes ocupando apenas 4% da matriz elétrica — incluindo nuclear, biomassa e soluções complementares, como baterias.

O investimento, detalhado a partir da página 74 do relatório (.pdf), seria da ordem de R$ 794 bilhões nesse modelo em que as UHEs não avançam sobre áreas protegidas. Pode ser menor, da ordem R$ 772 bilhões, mantendo as premissas para as hidrelétricas, mas permitindo a expansão de fontes fósseis com supressão de emissões, por exemplo, com captura de carbono.

Em termos de emissões, significaria abandonar uma matriz elétrica de até 52 milhões de toneladas de carbono equivalente (MtCO2eq) em 2015 para 21 MtCO2eq em 2030, 6 MtCO2eq em 2040 e emissão zero em 2050.

Nuclear, maior consumo de gás e produção de petróleo — para onde estamos caminhando

A política em curso no país, por sua vez, é um desdobramentos do que começou a ser formalizado no governo de Michel Temer — Novo Mercado de Gás (era Gás para Crescer), Abastece Brasil (antes Combustível Brasil), Política Nuclear Brasileira (esse não mudou de nome) etc. — e dá o tom da expansão da matriz:

Maior produção de petróleo (exportação) e gás natural (consumo interno); biocombustíveis na frota e expansão das usinas nucleares.

Sensível aos custos operações e demanda por capital, a adição de capacidade instalada em usinas termonucleares pode variar de 3 GW a 23 GW.

De acordo com EPE, a "diretriz estratégica" do governo Bolsonaro sinaliza para uma expansão entre 8 GW e 10 GW no horizonte 2050 — o que nas contas da estatal de pesquisa, demandaria uma redução de capex de 50% e de opex de 45% em relação aos valores de 2015.

Para o petróleo, a EPE traça um cenário de expansão na produção nacional, podendo chegar a 5,5 milhões de barris/dia em 2030 e 6,1 milhões de m³/dia em 2050, mas uma eletrificação maior da matriz energética, consolidando o Brasil como um exportador relevante de óleo…

…Enquanto políticas para o setor de transporte apontam para uma redução interna das emissões, com substituição dos combustíveis fósseis por biocombustíveis (RenovaBio e Novo Mercado de Gás) ganhos de eficiência (Rota 2030), ampliação da capacidade de transporte de massa e eletrificação de frotas cativas, como Uber e táxis.

O gás natural deverá ter, portanto, o papel de combustível da transição. "Além da geração de renda associada às atividades de O&G, o gás natural será fundamental para prover confiabilidade ao setor elétrico à medida que o percentual de fontes renováveis não-despacháveis cresça, e assim os efeitos da intermitência e da sazonalidade no sistema", pondera o relatório da Secretaria de Planejamento do MME (.pdf).

E haverá espaço para carvão, ao menos no planejamento energético. Desafio da fonte é ser competitiva, mas o governo não dá sinais de que o carvão será vetado por conta do custo ambiental, já que é visto como possível indutor de desenvolvimento, especialmente, na região Sul do país.

Fonte: Udop, com informações do Epbr (escrita por Felipe Maciel, Gabriel Chiappini, Guilherme Serodio e Larissa Fafá. Editada por Gustavo Gaudarde )