04/11/19 | São Paulo
O setor de energia está no meio de discussões de alta voltagem sobre as várias fontes. A Aneel propôs reduzir incentivos já dados para a energia solar e acabar com eles no futuro. O setor acha que é quebra de contrato e que a geração distribuída de energia fotovoltaica é a que deveria crescer no Brasil pela sua baixa emissão. A Aneel diz que os incentivos ao solar custam hoje R$ 340 milhões e vão crescer. O subsídio ao uso do carvão custa três vezes mais, R$ 1 bilhão, e o governo quer que o BNDES volte a financiar termelétricas a carvão, medida suspensa no governo Temer. O ministro Bento Albuquerque não esconde sua intenção de ampliar a cara e perigosa energia nuclear.
O setor de energia é todo dividido. Cada fonte faz o seu lobby. Cabe ao governo e aos reguladores terem visão do interesse público, mas o que mais se vê em qualquer administração é autoridade defendendo lobbies. Atualmente há risco de o país ir no sentido contrário à tendência do mundo atual que é estimular fontes que tenham baixa emissão de gases de efeito estufa e sejam renováveis. Se o caminho for subsidiar ainda mais as termelétricas a carvão, que já são caríssimas e têm a maior emissão possível, e ainda retomar o delírio de centrais nucleares, o país estará muito mal. No rota oposta à que deveria ir.
A chamada geração distribuída, fornecida por casas, prédios, empresas urbanas e rurais que instalaram painéis solares, cresceu fortemente nos últimos anos desde que foi regulamentada em 2012 e depois em 2016. Há também a geração centralizada, em que o governo contrata através dos leilões e cuja energia é fornecida pelas centrais fotovoltaicas.
O argumento de especialistas do setor é que quem investiu em painéis solares na sua casa, ou escritório, o fez contando que durante 25 anos teria um incentivo. Hoje ele produz energia para seu uso e para jogar na rede, e quando não está gerando utiliza a energia da distribuidora. E tem um encontro de contas. Se gerar mais energia no mês do que consumiu, ganha um crédito de energia para abater no mês seguinte. Se não usar em 60 meses, perde. A Aneel está propondo uma mudança. Em termos simplificados, em vez de compensar cada unidade entregue à rede por outra que utiliza, ao final, quem produzir perderá 60%. Ou seja, entrega um quilowatt na rede e só tem crédito de 40%. O argumento da Aneel é que se o consumidor recuperar 100% da energia que colocou alguém terá que pagar pelo uso da rede e os encargos. Quem investiu argumenta que a lei previa 25 anos para as atuais regras. A Aneel quer diminuir para 10 anos, e não dar o mesmo estímulo aos futuros investimentos.
Na verdade, a energia gerada só existe porque ele investiu, e esse investimento terá que ser amortizado. Já para as outras energias quem fez o investimento no aumento da oferta foi o governo.
— Não se justifica que o consumidor seja obrigado a pagar esses componentes da rede quando em uma parte do dia ele não utiliza. Quem consome a sua energia é o vizinho, a indústria do lado, que não passou pelo sistema de transmissão. O modelo brasileiro seguiu o americano, que faz o encontro de contas entre toda a energia que você produziu e toda a que você consumiu, e paga-se pela diferença. Hoje já é cobrado o custo de disponibilidade, para remunerar a rede que está disponível. Se você fechar o apartamento e nada consumir, vai continuar pagando esse custo, como existe na conta de água — diz Rodrigo Sauaia, presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR).
A Aneel diz que o estímulo fez crescer fortemente a oferta, de zero, a 1,3 mil megawatts em poucos anos. E que nessa proporção, o subsídio chegaria a R$ 34 bilhões em 2035. O setor duvida dos números e acha que ela não tem sido transparente.
O debate é técnico e espinhoso. Mas o fundamental neste momento é pensar nas escolhas que o país fará. Com tanto sol e vento, com as experiências bem-sucedidas, é impressionante que se gaste R$ 1 bilhão por ano com o subsídio ao carvão, e o governo queira voltar a financiar as térmicas. E que o MME anuncie planos de construir seis centrais nucleares até 2050, fonte que tem sido abandonada em outros países, porque custam caríssimo, como o Brasil sabe bem, e porque são perigosas como o mundo aprendeu em Fukushima e Chernobyl.