Solar: 1 GWp para começar

02/12/14 | São Paulo

CanalEnergia

O Brasil deu mais um passo em relação ao desenvolvimento da energia solar. Sucesso no Leilão de Reserva, que aconteceu no dia 31 de outubro, a fonte tende a deslanchar no país, assim como aconteceu com a energia eólica. Os preços foram mais competitivos do que o governo esperava – o leilão registrou um deságio de 17,89% para a fonte solar. Após cerca de oito horas de competição, o preço caiu de um teto de R$ 262/MWh para um valor médio de R$ 215,12/MWh. Foi contratada energia de 31 projetos, que somam 202,1 MW médios, sendo a capacidade instalada injetada de 889,6 MW e a capacidade total de 1.048 MWp.

Rodrigo Sauaia, diretor Executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, diz que o leilão representa um marco histórico para o setor. Ele comenta que a energia contratada representa quase 20 vezes toda a capacidade instalada da fonte no país e 70 vezes a capacidade de energia solar que está conectada na rede. Mas, apesar de todo o entusiasmo com o resultado do certame, ele alerta que muito trabalho ainda precisa ser feito para que a fonte se consolide de forma sustentável, a começar pela atração da cadeia produtiva para o país. Para que um investidor consiga financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o que é crucial para a competitividade de um projeto, é preciso um mínimo de conteúdo nacional.

Leilão é marco histórico para fonte

“Esse leilão é um sinal positivo do governo para o setor fotovoltaico nacional e internacional de que há interesse em investir. Mas é claro que para que se tenha de fato o desenvolvimento de uma cadeia produtiva, é preciso que o sinal seja de continuidade, que o leilão não seja um fato isolado, mas parte de um planejamento de inserção da fonte na matriz elétrica brasileira, assim como foi feito com sucesso com a energia eólica”, apontou o executivo. O presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, diz que a fonte deverá ter uma contratação anual, mas não quis falar qual será o próximo certame que terá a presença da solar. “Ainda teremos que analisar os resultados e como se desenvolverá o preço dessa energia frente às demais fontes”, afirmou.

No entanto, ele acredita que a tendência para os preços da solar fotovoltaica é de queda no médio prazo. Para Tolmasquim, o certame serviu para o governo ter uma sensibilidade de preços para a fonte obtida por meio do estímulo a competição entre os investidores. “Não dá para antecipar os preços no futuro, mas a tendência é de que sejam menores. Mas podemos dizer que temos a energia solar com um dos preços mais baixos do mundo, em cerca de US$ 90/MWh e que nos equipara a outros países do mundo”, destacou. Segundo o Plano Decenal de Energia 2023, a idéia é que sejam contratados 3,5 GW até o final do horizonte, montante considerado conservador após o resultado do leilão.

Fonte deverá ter contratação anual

Thaís Prandini, diretora da Thymos Energia, também avalia que preços abaixo de US$ 100/MWh são muito competitivos. Segundo ela, o preço-teto de R$ 262/MWh estabelecido pelo governo dava margem a competitividade. “Se o preço fosse de R$ 230/ MWh ou R$ 220/MWh, afugentaria os investidores do leilão. Se o preço-teto é estipulado em R$ 260/MWh e existem muitos investidores

interessados, automaticamente há uma queda no preço”, avaliou. No entanto, alguns parques chegaram a vender energia a R$ 200,82/MWh, o que levantou uma certa preocupação no setor. Newton Duarte, vice-presidente executivo da Cogen, comenta que ficou até um pouco assustado com a agressividade com que os investidores toparam partir para a implantação desses parques solares, porque os preços foram baixo.

“Teve bides de R$ 200/MWh e é uma fonte que não é barata, com um agravante de que não temos experiência em grandes parques”, comentou o executivo. Sauaia, da ABSOLAR, frisa que o sucesso de um leilão não está apenas no preço médio ou na quantidade de projetos contratados, mas sim que esses projetos consigam de fato ser construídos, entregando energia para o sistema. “Vai estar aí a grande medida do sucesso deste certame e isso a gente vai poder acompanhar até 2017″, disse.

Preços mais altos também eram esperados por Carlos Delpupo, diretor da Keyassociados. No entanto, ele acredita que o esforço do governo em relação a linhas de financiamento do BNDES ajudou a tornar o leilão mais competitivo. Segundo ele, os fornecedores de equipamentos chaves de uma usina fotovoltaica estavam muito engajados em trazer soluções de competitividade para os projetos, o que é um cenário interessante. “Agora, para trazer a cadeia para o Brasil a gente não pode parar por aí. Isso não é suficiente para consolidar o mercado. Para que isso aconteça existem dois caminhos. O primeiro é mostrar continuidade nessa estratégia. O governo já disse que vai realizar novas chamadas de projetos fotovoltaicos ano a ano. Outro ponto é criar ou melhorar as condições para que o mercado de energia distribuída comece também”, analisou.

Para Duarte, da Cogen, o importante é que o governo entenda que uma nova fonte se pereniza à medida que se mantenha o propósito de ir criando demanda constantemente, de forma que a indústria perceba que tem que investir, porque ela tem mercado e vai ter melhores condições de participar desse mercado. “O que não pode acontecer é o vôo da galinha, com o governo comprando 1000 MWp agora e depois ficar séculos sem comprar”, declarou. O executivo diz que o governo tem agora a chance de não cometer os mesmo enganos da época da inserção da eólica. “Naquela época o governo deu uma rateada e as empresas sofreram. E aí, perdemos várias indústrias que poderiam ter se perenizado aqui e não conseguiram ir adiante porque ficaram sem um visão de longo prazo”, disse.

Demanda por projetos tem que ser constante

A ABSOLAR defende que seja contratados cerca de 1 GW de capacidade instalada por ano, através de leilões, para que se possa fomentar o desenvolvimento da cadeia produtiva, trazendo não só a montagem de módulos fotovoltaicos, como também trazendo para o país a fabricação de alguns de seus componentes como as células fotovoltaicas. “Isso é um processo que demanda mais tempo, mas sem uma demanda contratada anual de pelo menos 1 GW, isso não vai acontecer”, apontou. Ele defende que a fonte seja convidada a participar dos certames de A-3, A-5 e de Fontes Alternativas, com um produto específico. “É importante que exista uma sinalização clara de que ela pode participar de vários certames e que não seja discriminada como uma fonte que só pode participar de um ou outro leilão”, frisa.

A instalação da cadeia produtiva no país é muito importante para os investidores terem acesso ao Finame, linha de financiamento do BNDES, e assim conseguirem ser mais competitivos no leilão. Foi pensando assim que a Renova fechou parceria com a Sun Edison para os projetos solares, caso vendesse energia no LER 2014. A empresa conseguiu emplacar quatro projetos no Sudoeste da Bahia, que totalizam 21,8 MW médios e 106,9 MWp, por um valor médio de R$ 220,30/MWh. De acordo com o CEO da Renova, Mathias Becker, a empresa chegou a conversar com outros fornecedores, mas houve uma sinergia grande entre as companhias.

“A gente atribui muito a nossa competitividade no leilão à capacidade que a gente teve conjunta de buscar o melhor projeto em todos os sentidos, na produção de energia, no custo da implantação e operação”, apontou Becker. Ele disse ainda que a parceria com a Sun Edison propiciará uma boa alavancagem junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. A estratégia da empresa foi montada, ainda de acordo com o executivo, baseada na nacionalização de equipamentos.

Pedro Pileggi, diretor de Relações com Investidores e Novos Negócios da Renova, diz que o percentual a ser financiado pelo BNDES ainda não está fechado, mas que os parques contarão com módulos, estrutura e inversores nacionalizados. Ele explica que para ter acesso ao financiamento do banco é preciso uma combinação mínimia de módulos e estruturas nacionais. “Se não tiver isso nacionalizado, não se tem acesso ao financiamento do BNDES. Se forem agregados acessórios, consegue-se alavancagens adicionais. Então nessa combinação de módulo, inversor e estruturas é possível ter acesso a um financiamento em torno de 65% do projeto”, apontou o diretor.

O BNDES, comenta Duarte, da Cogen, impôs um plano produtivo para a cadeia solar até 2020, no qual, ao final desse horizonte, o país já deveria estar produzindo células fotovoltaicas, que na opinião do executivo, é o ponto mais nevrálgico da cadeia de produção. “Foi legal o BNDES ter feito isso, ainda que tenha exagerado um pouco na velocidade. Talvez a gente não consiga atender isso em 2020, mas pelo menos a gente tem um plano de trabalho que as empresas estão vendo que, em atingindo aquilo, terão o apoio do banco”, destacou. Ele avalia que a meta do PDE 2023, de colocar 3,5 GW até 2023 pode acabar se tornando uma visão conservadora, visto o resultado do leilão. “Eu tenho uma visão de que provavelmente nós vamos instalar nos próximos dez anos algo em torno de 6 GW a 10 GW”, calcula.

A duração dos contratos de energia da fonte também preocupa a ABSOLAR. No certame, foi utilizado para a fonte a mesma base de duração de contratos da energia eólica, que é de 20 anos. Para Sauaia, é muito importante ajustar essa duração dos contratos para as características da solar fotovoltaica, cujos equipamentos tem vida útil com garantia do frabricante de 25 anos. “É importante que os contratos de venda tenham prazo de 25 anos. Isso tem dois benefícios importantes. O primeiro é permitir um fluxo de caixa do projeto por um período mais longo, o que ajuda a aumentar a competitividade da fonte e reduzir o preço médio de venda de energia. O segundo é o fato de que contratos mais longos permitem também junto ao BNDES linhas de financiamento com um prazo maior de amortização”, aponta. Esses dois fatores combinados, estima o executivo, podem aumentar a competitividade da fonte em pelo menos 3% a 5%.

Outro fator importante e que aumenta a competitividade, diz o diretor da Absolar, é a questão tributária. Para ele, isso pode ser trabalhado não só a nível federal, como também estadual e municipal. Um exemplo, comenta, foram os dos projetos localizados na região de Dracenas, em São Paulo. Foram vendidos quatro projetos na região a um preço de R$ 217,75/MWh. “A Câmara de Vereadores local aprovou a isenção de ISS para esses projetos. Obviamente, isso impacta positivamente a competitividade dos projetos realizados na região. Isso também é uma forma de conseguir trazer um preço mais atrativo para a sociedade brasileira, através do equacionamento da política tributária”, comenta.

Solar deverá estar no LER 2015

O próprio fomento da geração distribuída, na visão de Delpupo, da Keyassociados, ajuda a indústria a perceber a dimensão do mercado brasileiro e seu potencial. Além disso, com o mercado centralizado e o distribuído fortalecidos, os custos com equipamentos tendem a cair. “Mas para disseminar a geração distribuída solar é preciso ter uma regulamentação clara e condições de financiamento estabelecidas”, diz. Segundo ele, isso é fundamental, porque o investidor que olhar para o país vai ver que as duas vertentes tem potencial de crescimento. De um lado, o governo comprando em leilões centralizados, e de outro a geração distribuída se difundindo.

Quanto aos leilões centralizados, Thaís Prandini, da Thymos, tem confiança de que o governo deverá colocar a fonte provavelmente em um leilão de Reserva em 2015. “Esse foi um primeiro passo, um sucesso, com um bom preço, bem mais competitivo do que o governo imaginava e daqui para a frente vai ser ainda melhor”, prevê. Os investidores também estão otimistas com o futuro da fonte no país. A Renova tem a crença de que a fonte irá deslanchar nos próximos anos e já conta com diversos projetos em carteira para serem cadastrados em futuros certames. “O país tem uma irradiação solar muito boa. Todas as variáveis contribuem para a gente acreditar muito no futuro da fonte no Brasil. Tanto é que a gente está mobilizado, se preparando para esta fase há mais de dois anos", conta Pileggi.